Enigmas ou impulsos? A adolescência diante do vazio de sentido
A frase de Rudolf Steiner que inspira esta reflexão é de uma lucidez contundente:
“Na adolescência, quando não se desperta o interesse pelos enigmas do mundo, desenvolve-se dois tipos de impulsos instintivos: o prazer pelo poder e o erotismo.”
(GA 302 – “Educação e o Ser Humano”, Rudolf Steiner)
Essa afirmação nos convida a olhar com profundidade para uma crise silenciosa que se agrava a cada geração: a perda do interesse pelo sentido da vida, especialmente entre os jovens.
Adolescência: o portal da sede de sentido
A adolescência não é apenas um momento de transformações físicas e sociais; é uma fase em que a consciência se expande e busca uma conexão mais profunda com o mundo e consigo mesma. O adolescente começa a perguntar: “Quem sou eu?”, “Qual é o meu lugar?”, “O que é verdadeiro?”. São as primeiras dores existenciais legítimas da alma encarnada.
Segundo Jean Piaget, nesse estágio ocorre o desenvolvimento do pensamento formal e abstrato¹. O jovem passa a questionar regras, valores herdados, estruturas sociais e passa a experimentar com conceitos éticos e filosóficos.
Contudo, quando essas inquietações são abafadas por um sistema educacional mecanicista ou por uma cultura centrada em consumo, aparência e desempenho, esse impulso natural pela busca do sentido é desviado. Em vez de curiosidade espiritual e filosófica, o jovem pode desenvolver obsessões por domínio (poder) ou por fuga sensorial (erotismo), como destaca Steiner.
A armadilha do erotismo precoce e do poder vazio
Estudos em neurociência indicam que o cérebro do adolescente é altamente plástico e vulnerável à dopamina². O erotismo estimulado precocemente, por exemplo através do acesso ilimitado à pornografia, afeta negativamente o desenvolvimento afetivo e cognitivo, criando dependência e distorcendo a visão sobre relacionamentos³.
De forma similar, a busca por poder — seja por status em redes sociais, influência no grupo ou dominação simbólica sobre o outro — muitas vezes mascara uma carência profunda de pertencimento e de sentido.
Esses impulsos se tornam substitutos simbólicos para aquilo que deveria ser o verdadeiro motor da juventude: a busca pelo enigma da existência, o despertar da consciência, o encontro com o dharma individual.
Espiritualidade e filosofia como antídoto
Autores espiritualistas como Viktor Frankl defendem que o vazio existencial só pode ser preenchido pelo encontro com um significado mais elevado⁴. Para Frankl, a falta de sentido é uma das maiores causas de adoecimento emocional, especialmente entre jovens.
O paradigma consciencial amplia ainda mais essa visão: propõe que cada consciência encarna com um propósito evolutivo, uma programação de aprendizados e interações kármicas. Quando esse dharma é ignorado, a alma grita — e o ego, sem norte, busca prazer e controle como muletas.
Waldo Vieira também alertava que a ausência de um propósito consciencial pode levar a um “encarceramento intraconsciencial”⁵, onde o jovem se sente desconectado não só do mundo, mas de si mesmo, do seu grupokarma e de seus compromissos evolutivos.
Caminhos para despertar o interesse pelos enigmas
-
Educação pela pergunta e não pela resposta – Promover a filosofia viva nas escolas: não como história de pensadores, mas como prática de pensamento.
-
Contato com obras espirituais sérias – Textos de autores como Steiner, Frankl, Vieira, Krishnamurti, Allan Kardec e Sri Aurobindo podem abrir horizontes conscienciais.
-
Abertura à arte e à meditação – Atividades contemplativas estimulam o contato com a essência e não apenas com estímulos externos.
-
Mentoria espiritual e familiar – Jovens necessitam de figuras adultas lúcidas que encarnem o sentido e não apenas o moralismo vazio.
Sentido ou sombra?
O que nos resta diante dessa encruzilhada? Steiner aponta uma chave: ou despertamos o amor pelos enigmas da existência — e com isso, a vocação espiritual — ou deixamos que o jovem caia nas ilusões de prazer e controle como forma de compensação.
Falar sobre isso é um ato de coragem pedagógica e espiritual. Em tempos de medicalização precoce, dopaminas artificiais e superficialidades emocionais, o verdadeiro remédio está onde Steiner sempre apontou: na alma que se educa pelo espanto, pela beleza e pelo mistério da existência.
Notas
-
Piaget, J. – O julgamento moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.
-
Giedd, J.N. – The Teen Brain: Insights from Neuroimaging, Journal of Adolescent Health, 2008.
-
Flood, M. – The harms of pornography exposure among children and young people. Child Abuse Review, 2009.
-
Frankl, V. E. – Em busca de sentido. São Paulo: Vozes, 2008.
-
Vieira, W. – 700 Experimentos da Conscienciologia. Foz do Iguaçu: Editares, 1994.