AS FACES DO ESPIRITUALISMO UNIVERSALISTA

AS FACES DO ESPIRITUALISMO UNIVERSALISTA

Hidemberg Alves da Frota – retirado de: https://tematicasconscienciais.wordpress.com/2010/06/21/as-faces-do-espiritualismo-universalista/

O espiritualismo universalista tende a ser professado por indivíduos que, após contato com correntes de pensamento reencarnacionistas (como espiritismo, hinduísmo, taoísmo, umbanda e Conscienciologia), perceberam que religião é contingente, dependendo do local e da época em que o espírito reencarna.
O espírita de hoje pode ser o católico de ontem e o universalista do amanhã. (Apenas exemplificação, sem pretensão de esboçar norma geral e obrigatória.)
Perene são as normas éticas cósmicas e a necessidade de cada consciência superar limitações morais, conhecer-se melhor e se tornar mais sábia (inclusive mais amorosa).
O espiritualismo universalista franqueia a cada um formular sua síntese de temas conscienciais, colhida dos subsídios auferidos das vivências pessoais e do acervo de conhecimento coletivo.

O universalismo se revela explícito nestas frases-chave clássicas:

 

“[…] Universalismo: a filosofia do ‘melhor para todos’”

[2]; “Unidade na variedade é o plano da criação”

[3]; “[…] todo ser humano é um ‘universo’, isto é, uma unidade (uni-) que se desdobra em diversidade (-verso)”[4] (grifos do autor); “Examinai tudo: abraçai o que é bom”[5] (Primeira Epístola aos Tessalonicenses 5:21).
As religiões são meios facultativos (nunca obrigatórios) para despertar no ser humanizado (espírito reencarnado na espécie humana) valores elevados e descamar o envoltório que dificulta o florescimento da essência divina de cada um.

Livro Estudos Espiritualistas
Livro Estudos Espiritualistas

“As organizações religiosas são apenas os meios de o espírito humano expressar a sua natureza divina no mundo exterior da matéria.”[6]
Pressupõe-se que as religiões são instrumentos opcionais para a reforma moral íntima e não imposições da espiritualidade.

A evolução espiritual pode ser conquistada dentro e fora das religiões.
Não interessa a doutrina consciencial (alusiva à religião, filosofia espiritualista ou neociência, paraciência ou pseudociência transcendental) [7] escolhida nem à adesão a qualquer doutrina e sim o efetivo autoaperfeiçoamento.
A nenhum ramo do conhecimento humano se outorgou a incumbência de emissário preferido da Deidade.
Quanto mais diversificadas as leituras, maior a chance de se ter visão ampla da realidade e das veredas propícias à caminhada evolutiva, reciclando-se a mentalidade do indivíduo, por meio do cotejo de cosmogonias tradicionais com novas expressões da visão humana do universo e se acrescentando à doutrina pessoal achegas de outros movimentos e campos de pesquisa dentro e fora das doutrinas conscienciais.
“O acesso a informações diversificadas cria uma visão de conjunto, opinião própria e de análise, nos tornando mais lúcidos para um direcionamento de vida.”[8]
Assim, evita-se petrificar a cosmovisão individual e se otimiza a absorção de conhecimentos irradiados de ideologias e cosmogonias díspares.

Em vez de entronizar determinada corrente de pensamento como a mais avançada ou mais próxima da verdade, o espiritualismo universalista deixa a critério de cada consciência (espírito) optar pela alternativa mais adequada às necessidades evolutivas do momento, insuflando-a a apreciar, de forma ponderada e sem preconceitos, o leque de possibilidades disponível, a miríade de contribuições ao esclarecimento da humanidade à disposição de cada um.
Se mal-conduzido, o espiritualismo universalista é murista[9] (neutro, sem posicionamento determinado sobre questões fundamentais), confuso (amorfo, incoerente, “samba do crioulo doido”) e vazio (estéril, inócuo, banal). Ou serve de palco para correntes de pensamento sectárias que se consideram universalistas porque se julgam eleitas para levar à humanidade a palavra da “verdade superior”.
Se bem-conduzido, o espiritualismo universalista se revela valiosa ferramenta para a compreensão das normas éticas universais e proporciona à humanidade elucidativa análise de temas conscienciais.
A ambiência para o universalismo continua rarefeita.
Há relativamente poucos grupos, de fato, universalistas e, mesmo quando o são, remanescem tendências de comportamento (agressividade, sarcasmo ou estreiteza de raciocínio) próprio de quem (por se achar “mais evoluído”, “mais avançado”, “mais experiente”, “mais culto”, “mais espirituoso”, “mais lúcido”, “mais popular”), se julga no dever de esclarecer a plebe ignara à base de insolentes machadadas verbais. “O sentimento de superioridade por ter mais conhecimento/Prova a ignorância de não se possuir sabedoria.”[10]

Por outro lado, a aparente arrogância às vezes esconde a angústia por não se fazer inteligível, por ver erros do passado repetidos pela humanidade ou por não ter com quem compartilhar sua visão de mundo.
Comparado com adeptos de outras correntes conscienciais (antimaterialistas), os universalistas (ou aprendizes de universalismo — o que, em verdade, todos somos) são, ao menos por enquanto, proporcionalmente mais solitários, com menor espaço para difundir suas ideias sem serem deselegantes, infringirem as normas da organização que frequentam ocasional ou regularmente.
O universalismo recebe críticas de todas as partes, porquanto muitos indivíduos, ciosos de sua soberania (mantença do estilo de vida e cosmovisão), têm o impulso imediato e instintivo de ativar mecanismo preventivo de defesa do ego, ao menor sinal e possibilidade do senso de dignidade ser afrontado, os valores ameaçados e a corrente de pensamento pasteurizada ― compreensível reação em face do histórico da humanidade cuja trajetória indica vulnerabilidade a movimentos unificadores de tendências autoritárias.

Mesmo quando há receptividade para propostas universalistas, os que se acham mais esclarecidos às vezes são virulentos ou ridicularizam os que consideram neófitos ou ignorantes.
O espiritualismo universalista, como as demais tentativas humanas de destrinçar os painéis das realidades física e extrafísica, se demonstra pródigo em soberba intelectual, exteriorizada por deboches (refinados ou grosseiros), repúdio ao diferente (indiferença ou desprezo eloquente ou críticas acerbas gratuitas e exageradas) e desapreço pela dignidade alheia (tentativas de se proferir a última palavra em acalorados debates, procurando-se esvaziar a autoridade moral ou descortinar as fragilidades psíquicas do interlocutor discordante).
Conselho bom não ofende com esclarecimento arrogante e nem consola com hipocrisias afetuosas, mas equilibra os dois [esclarecimento e consolação] no melhor sentido de ponderar e aproveitar o máximo do contexto das experiências e circunstâncias presentes do emissor e do receptor.[11]

Universalismo ainda se mostra virtude rara, porque a maioria dos ramos do pensamento científico renega a espiritualidade e as religiões, filosofias espiritualistas e neociências ou paraciências transcendentais, em regra, têm como discurso subjacente a premissa de que representam a noção mais próxima da verdade, a proposta mais adequada para a evolução individual e coletiva.
O divergente tende a ser considerado mais atrasado, obtuso e, muitas vezes, o caminho do delírio e da recalcitrância de equívocos transatos.
Na maioria dos casos, existem, em verdade, não correntes de pensamento universalistas, mas, sim, propostas de alcance universal: abarcam toda a humanidade e almejam conformá-la ao conjunto de valores, normas, teorias e procedimentos com o qual se identificam.
Se os religiosos discutissem menos controvérsias teológicas e se importassem mais com as normas de conduta em comum, veriam que, em regra, comungam dos mesmos valores e prescrevem, em essência, similar receituário comportamental[12].

Em vez de esquadrinharem o essencial ao melhoramento de todos, as hostes conscienciais grassam renhidos debates à exaustão sobre questões tão prioritárias quanto a diferença entre orar, rezar, fazer prece e doar energias, a pureza doutrinária das expressões viagem astral, desdobramento espiritual, emancipação da alma e projeção da consciência e os distintos graus de lucidez transcendente que espelham as locuções pessoa humana, ser humanizado, espírito reencarnado e consciência intrafísica.
Ao adepto do espiritualismo universalista incumbe o desafio de ser espiritualista depurado do sectarismo religioso (tenha essa postura a roupagem terminológica que tiver, transplantada para que área do saber tiver sido[13]), sobrepondo-se a picuinhas dogmáticas.
Não adianta arrogar para si o status de universalista, tendo como inquestionável (ou o mais avançado) o posicionamento do seu guru favorito.
Conforme sobressai Ramatís, o ser humano “vinculado incondicionalmente a um credo religioso ou doutrina espiritualista é um robô submisso”[14] à determinada autoridade hierárquica ou equivalente.
Tendo em conta que muitos se inclinam a considerar a doutrina consciencial de sua predileção como a mais próxima da verdade, petrificam sua visão de mundo (adstrita à idolatria da doutrina consciencial favorita) e esquecem de dar a si o benefício da dúvida de quem reconhece os inevitáveis excessos ou deficiências de qualquer tentativa da humanidade desvelar os mistérios e os recônditos das realidades física e extrafísica.

O espiritualista universalista deve exercitar detida meditação acerca de procedimentos e argumentações do tipo:
(1) “Sinto muito informar, mas essas ideias e expressões estão ultrapassadas, conforme assinalou nosso estimado pesquisador-chefe em seu conhecido tratado.”
(2) “Por favor, peço a atenção dos senhores para o conteúdo autêntico da nossa doutrina, que repele ou não prevê esse tipo de pensamento mistificador e obscurantista.”
(3) “Você está no caminho errado. Nosso guia espiritual, em diversas palestras públicas, esclareceu que essa postura acadêmica de proferir conceitos e classificações transparece materialismo.”
(4) “Se vierem com idéias bolorentas, seremos grosseiros mesmo. Precisamos preservar a atmosfera psíquica do nosso grupo. Nosso grupo, ame-o ou deixe-o.”
(5) “Já não esclareci que esse pensamento é vazio e atrasado?”
(6) “É assim porque Deus quer. Está escrito. Nosso mentor já o afirmou tanto em livros quanto em palestras. Quem somos nós para questioná-lo?”
(7) “Se não houver baixaria, não há público.”

Ser adepto do espiritualismo universalista é ter como pressuposto que ninguém no orbe terrestre, por mais esclarecido e bem-orientado que seja, possui ou pertence a grupo que possua o monopólio das verdades de ponta (absolutas ou relativas); que elas, em realidade, estão espraiadas por diversos segmentos do conhecimento (por exemplo, artístico, científico, filosófico e consciencial), cabendo ao verdadeiro cultor (ou melhor, aprendiz) do espiritualismo universalista encontrar pontos de convergência que o levem a verdades universais e o permitam contrastar opiniões dissonantes, com o fito de formular juízo de convencimento pessoal, por meio do qual possa oferecer a si próprio e aos demais interessados respostas mais consistentes acerca de questões existenciais que, naquele dado momento evolutivo, chamam sua atenção.
Disserta Vivekananda: “Haveremos de concluir que o segredo da religião consiste em ser capaz, não só de pensar e repetir todos esses pensamentos mas de realizá-los, descobrir outros, novos e sublimes, nunca antes descobertos, e oferecê-los à sociedade.”[15]

No tocante ao narcisismo doutrinário, aduz Ramatis:
Qualquer sistema ou seita religiosa que se considere o melhor pesquisador da Verdade é apenas mais um concorrente presunçoso entre os milhares de credos isolacionistas do mundo. O fanatismo, que é próprio do homem inculto, feroz e destrutivo, também se afidalga nas vestes respeitáveis do cientista, do filósofo ou do intelectual já consagrado no academicismo do mundo. A teimosia sistemática, mesmo sob a lógica científica, é sempre um índice de fanatismo, que cria disposição adversa à maturidade dos conceitos novos.[16]

Embora parcela considerável da humanidade aceite a diversidade de ideologias, cosmogonias, opiniões e escolas de pensamento, sente grande dificuldade para transformar apreço pelo pluralismo em prática universalista, porque isso significaria ser mais um na multidão, sem o privilégio de pertencer a grupo seleto de indivíduos agraciados com o conhecimento mais genuíno acerca dos mistérios do cosmos e da condição humana.
É uma espécie de apartheid dogmático pautado por mentalidade típica desta espécie de pensamento: “Minha corrente de pensamento favorita tem enorme valia. O resto é inferior. Quem pensa diferente, eu lamento dizer, perdeu o juízo ou parou no tempo.”


Não deixe de ler: O QUE É ESPIRITUALISMO UNIVERSALISTA AFINAL?

Bibliografia consultada

[1] Versão primitiva publicada na revista Sexto Sentido, v. 7, n. 83, p. 16-20.

[2] VIEIRA, Waldo. Homo sapiens reurbanisatus. Foz do Iguaçu: CEAEC, 2003, p. 1.023.

[3] VIVEKANANDA, Swami. Karma-yoga: a educação da vontade. São Paulo: Pensamento, 2005, p. 27.

[4] ROHDEN, Huberto. Novos rumos para a educação. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 72. (Coleção a Obra-Prima de Cada Autor, v. 222)

[5] BÍBLIA SAGRADA: edição pastoral-catequética. 168. ed. São Paulo: Ave-Maria, 2005, p. 1.514.

[6] RAMATÍS. A vida humana e o espírito imortal: obra mediúnica ditada pelo espírito Ramatís ao médium Hercílio Maes. 10. ed. São Paulo: Editora do Conhecimento, 2002, p. 329.

[7] ROQUE, Dalton Campos; SILVA, Andréa Lúcia da. O karma e suas leis. Curitiba: ISC, 2004, p. 26. (Coleção Coração da Consciência, v. 1)

[8] ROQUE, Dalton Campos; SILVA, Andréa Lúcia da. Op. cit., p. 218.

[9] “Universalismo não é murismo.” (grifos do autor) Cf. VIEIRA, Waldo. Manual da proéxis: programação existencial. 3. ed. Rio de Janeiro: IIPC, 2003, p. 66.

[10] ROQUE, Dalton Campos; SILVA, Andréa Lúcia da. Espiritualmente falando: praticando o amor. Curitiba: ISC, 2005, p. 35. Disponível em: <https://www.consciencial.org&gt;. Acesso em: 15 fev. 2006.

[11] Ibid., p. 61.

[12] KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo: com a explicação das máximas morais do Cristo em concordância com o espiritismo e suas aplicações às diversas circunstâncias da vida. 3. ed. es. Rio de Janeiro: FEB, 2005, p. 23.

[13] ROQUE, Dalton Campos; SILVA, Andréa Lúcia da. O Karma e suas Leis. Curitiba: ISC, 2004, p. 26. (Coleção Coração da Consciência, v. 1)

[14] RAMATÍS. A vida humana e o espírito imortal: obra mediúnica ditada pelo espírito Ramatís ao médium Hercílio Maes. 10. ed. São Paulo: Editora do Conhecimento, 2002, p. 301.

[15] VIVEKANANDA, Swami. O que é religião. Rio de Janeiro: Lótus do Saber, 2004, p. 10.

[16] RAMATÍS. Mensagens do astral: obra mediúnica ditada pelo espírito Ramatís ao médium Hercílio Maes. 15. ed. Limeira: Editora do Conhecimento, 2003, p. 28.

 

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