Era um homem muito sério e muito religioso. Chamava-se Rogério e era seu jeito normal, porem quando mais jovem guardava certa serenidade. Gostava de esportes, de jogar futebol com os amigos, de confraternizar, até bebia uma cervejinha socialmente no sábado à tarde. Passeava no parque com seu cachorro e sempre adorou os animais de estimação. Namorava sério também e era muito fiel ao catolicismo quando bem jovem, e sonhava em casar na igreja e desposar a noiva toda de branco, achava uma festa linda.
Um cara cheio de bons amigos, leal a família, muito honesto e cordial, jogava futebol e acompanhava os campeonatos pela TV quando podia e até fazia piada com os amigos quando seu time ganhava contra o deles. Era um jovem muito centrado, muito equilibrado.
Gostava muito de ler e estudar e cada dia se tornava mais culto e reservado, também admirava muita a intelectualidade e dentro de si cultivava este caminho. Gostava de ler sobre capacidades psíquicas, parapsiquismo, parapsicologia, mediunidade, incorporação e aos poucos foi se enamorando do espiritismo. Ainda jovem, de vez em quando, se um amigo seu o chamasse, ele até ia a um Terreiro de Umbanda para acompanhar sem problema nenhum, apenas não se envolvia e nem tomava o passe, ficava apenas observando, medindo e analisando. Conheço gente que não conhece a Umbanda e simplesmente “tem medo” de ir conhecer, mas deve ser mero preconceito, não é?
Nessa fase jovem de sua vida Rogério até admitia amigos homossexuais, embora fosse menos comum que nos dias de hoje devido a repressão e preconceito social. Quando algum amigo seu apresenta um outro amigo homossexual, não havia problema algum para Rogério.
Rogério foi criado pela vó, uma mulher muito querida e dedicada, católica fiel que batizou, crismou, aplicou 1ª comunhão e muito catecismo e missas ao Rogério, e este acompanhou a vó em muitas missas vida afora.
Ele tinha um cachorro nesta época quando mais jovem, era apaixonado pelo Toth, este era o nome dele, um lindo husky siberiano de olhos azuis e totalmente branco. Rogério cuidou com todo carinho dele até a morte, quando ficou muito sentido.
Sua namorada Elza, era de família espírita e o levou, finalmente e conhecer o espiritismo. Apesar de Rogério já ter muita leitura sobre o assunto nunca tomara a atitude de ir conhecer, creio que na verdade era algum tipo de lealdade íntima, inconsciente com medo de chatear a vó que o criou e que muito amava.
Rogério era uma pessoa do tipo mental, ou seja, podemos descrever também como o tipo intelectual ou o pensador, analisava tudo, era bastante metódico e as vezes até bem sistemático tendendo ao perfeccionismo que trava a atitude da pessoa. Mas sua namorada, muito tranquila dizia para ele: “o bom é melhor que o ótimo”, querendo dizer que era preferível fazer algo, iniciar e concluir, mesmo não sendo excelente, que ficar imaginando o máximo e acabar não agindo ou demorar demais num projeto de algo, que poderia ser terminado em um décimo do tempo. É um pensamento prático e sábio, os perfeccionistas se tornam chatos, improdutivos e críticos demais para as coisas dos outros.
Elza, uma jovem bonita, era vaidosa e tinha até tatuagem, o que não incomodava nem um pouco o Rogério, pois sabemos que muitos possuem preconceitos sérios contra tatuagens, enfim os dois se davam muito bem e formavam um belo casal apaixonado.
Elza e Rogério se casaram e eram felizes. Rogério era trabalhador e com a esposa frequentava cada vez mais o espiritismo. Rogério foi se dedicando, galgando postos na diretoria do centro espírita até se tornar um presidente muito eficiente. Um dia saiu e abriu seu próprio centro junto com a dedicada e carinhosa Elza.
Não pararam mais o trabalho, se transformaram num grande e eficiente centro de caridade nos moldes padrão dos centros espíritas federados, ou seja, rezando a cartilha da federação. Começaram flexíveis, mas depois foram se “federalizando”.
Aos poucos a ortodoxia foi tomando conta de Rogério, no entanto, Elza era tranquila, bondosa e flexível, sempre pensando no “espiritismo da alma” muito além do “espiritismo de fora”, pensando em ajudar as pessoas, em servir sem fazer proselitismo, em aprender a sentir as coisas dentro do coração e a não ser uma religiosa de carteirinha, mas de alma mesmo.
Depois que entrou para o espiritismo começou a ficar cada vez mais sério e severo e isso foi crescendo no decorrer dos anos.
Outra coisa que Rogério aprendeu com Elza foi fazer caridade. Isso mesmo, se aproximar mais das pessoas pobres, doar as coisas, fazer atendimento fraterno de uma forma aberta e informal e sem doutrinação, apenas pelo prazer de aprender a amar as pessoas, este era o “céu” cujo coração de Elza almejava, ela tinha a cabeça muito além da doutrina espírita. Ela sabia que existe o “espiritismo de fora” e um outro “espiritismo de dentro do coração”, que podem até convergir, mas geralmente podem ser opostos. O pai de Elza era um espírita radical que tentava doutrinar com rigor a esposa e as 2 filhas, mas Elza não se deixava levar e nem se estressava, ficava tranquila e fazia do jeito dela, com independência e iniciativa.
Rogério sempre se queixava de saudades de seu cão de anos atrás, o Toth, e Elza um dia surpreendeu o Rogério. Esperou chegar seu aniversário e deu de presente para ele uma linda calopsita bem amarelinha bem pequena e novinha, que havia escolhido e comprado com todo carinho. E comprou também uma gaiola confortável que foi junto no pacote de presente. Rogério simplesmente amou! Ficou emocionado quando descobriu que um pequeno pássaro pode ser tão carinhoso e dar feedback ao dono como um cachorro. As calopsitas, se mansas, são muito apegadas e carinhosas com os donos e adoram brincar.
Aquela calopsita iluminou a vida de Rogério, ele fazia tudo por ela, comprou as melhores rações, brinquedos, acessórios, tudo do melhor para ela e chamou aquela fêmea de ÍSIS, uma espécie de deusa egípcia. Rogério tinha simpatia pela cultura egípcia antiga, talvez tivesse vivido alguma encarnação por lá.
Rogério foi se tornando muito crítico, muito julgador e condenatório, e acabou perdendo toda serenidade e senso de humor. Para ele tudo era sério, tudo era desculpa para manter “elevado o padrão e a sintonia espiritual”. Todos os antigos amigos da juventude se afastaram dele, até mesmo os que antes frequentavam seu centro espírita e assistiam suas palestras. Adotou uma linguagem polida com ar severo de pregador e foi se sofisticando cada vez mais no jargão espírita. Acabou se transformando num puritano, pregador severo, moralista e ortodoxo, que perdeu toda flexibilidade e todo senso de humor. Apesar de ter lido muitas obras do espírito Ramatís na juventude, passou a odiá-lo também por má influência de terceiros.
Assim levou sua vida, assim administrou seu centro espírita até o final da existência física. Desencarnou muito amargo, pois todo ser sem bom humor desencarna amargo, tudo tinha tornado motivo de indignação e julgamento moralista severo, assim julgava todos errados, todos amorais e imorais e somente ele e seu centro certos.
Desencarnado, foi direto para uma faixa razoável e densa do umbral, obedecendo a leis dos semelhantes que diz que denso atrai denso e sutil atrai sutil. Desencarnou antes de sua esposa que estava se tornando longeva e sempre orava pelo falecido esposo. O esposo se tornara radical igual ao pai de Elza, mas como ela não esquentava a cabeça e não se estressava com o pai, também nunca se estressou com o marido, e aliás, aceitou muito bem a morte do marido, pois praticava o “espiritismo de dentro do coração” e tocou o barco da vida. Assumiu o centro e mandou ver nas obras sociais. Saiu da federação e voltou a tornar o centro mais aberto, generoso e flexível e passou a atender e fazer caridade a muito mais pessoas obtendo muito mais resultados do que quando Rogério estava na direção.
Volta e meia os amigos espirituais (amparadores) tentavam resgatar Rogério do umbral, mas ele não aceitava reclamando com muita raiva que fez tudo certo, que era uma ingratidão de Deus ele estar ali e somente Deus teria que tirá-lo de lá. Vez ou outra os amparadores retiravam Elza do corpo e a levavam até Rogério para tentar a dissuadi-lo a entrar na luz e aceitar a assistência, mas o teimoso, cheio de orgulho e empáfia não admitia que toda sua severidade e moralismo estavam errados e o levaram a um denso estado energético de alma.
Anos se passaram e Rogério estava naquela mono ideia ou ideia fixa de “eu estou com a razão e não abro mão”. Um dia havia uma reunião de espíritos bons numa colônia espiritual confabulando o que fazer para resgatar Rogério do umbral e eis que surge um espírito de elevado quilate sideral chamado Ramatís a entrar na conversa.
Ramatís dá uma ideia brilhante e inédita para o resgate do intransigente Rogério e deixa os amigos espirituais surpresos com tal ideia.
Rogério estava preso numa espécie de centro espírita abandonado e bucólico caindo aos pedaços, sujo, cheio de ventos e folhas secas numa penumbra permanente e com umas poucas lâmpadas incandescentes fracas piscando. Ficava sentado numa das cadeiras da tribuna pensando e revirando seus pensamentos sempre na mesma coisa.
De repente ele começa a ouvir uma doce música angelical new age. Era o coral das Servas de Maria, oriundas da Fraternidade do mesmo nome, regidos pela egrégora da Mãe de Jesus (ou Mãe Divina), onde os homens se vestem de azul e as mulheres de branco. Aquela música chamou a atenção de Rogério e ele sentiu prazer e doçura em ouvi-la, mas na mesma hora retornou para “sua razão”. No entanto, o coral emanava energias de amor e cura para ele.
Rogério começa a ouvir um canto de um pássaro, entra no ambiente um odor de lavanda e camomila, e algumas flores se plasmam no ambiente onde a luminescência amplia a luminosidade do mesmo. O canto do pássaro se aproxima mais de sua audição e ele fica curioso. Aquele canto mexe com ele e tende a emocioná-lo.
E então entra em voo suave uma linda calopsita luminescente que pousa no ombro de Rogério e começa a cantar para ele. Rogério não resiste e desaba a chorar igual a um recém-nascido. Era sua calopsita que ganhou de presente de Elza. A calopsita não se abala, estava sendo controlada energeticamente pelos amigos espirituais a distância que remotamente observavam tudo. Ela começa a fazer carinho no pescoço de Rogério com pequenas bicadas carinhosas e alternava em seu canto. O coral das Servas de Maria se aproxima mais alto em tons emocionantes que fazem brilhar e limpar doto ambiente num instante. Eis que surge Elza projetada em corpo astral olhando e sorrindo para Rogério que já se encontrava desabado em prantos de joelho com as duas mãos no rosto.
Elza não se abala, serena, simplesmente sorri alegre e diz ao postar às duas mãos em sua cabeça: “não se culpe, todos estamos aprendendo uns com os outros; amolecer o coração cura e salva qualquer alma. Venha comigo ao encontro da luz” … A calopsita alça voo, e sai pela janela rumo ao infinito, as Servas de Maria plasmam uma grande esfera de luz azul e prata fosforescente. Rogério se põe de pé e cambaleia, Elza o segura com um braço em suas costas e o levita em raios dourados flutuantes a empurrá-lo delicadamente para dentro da esfera. Ao entrar na esfera, Rogério já se fazia inconsciente e recuperava a expressão serena de quando jovem com a alma aliviada.
Em todo decorrer do processo de resgate havia uma grande tubo de luz violeta envolvendo tudo que vinha do “alto”. No outro extremo deste tubo se via a face do Mestre Ramatís a monitorar todo o processo.
Agora bastava que todos entrassem nesse tubo que também era um portal multidimensional para uma esfera extrafísica mais “alta” e todos estariam de volta na colônia espiritual para acolher nosso colega evolutivo, o Rogério.
Dalton é escritor, poeta, cronista, contista, jornalista do astral, médium e humorista incorrigível da consciência. Sente uma saudade imensa de seu planeta em Sírius B e está ansioso para ser “puxado” pelo planeta Chupão. Ele alega com bom humor: “Não quero ficar com os ‘evoluídos’.” Autor de 41 obras independentes, sendo 5 sobre informática e 36 sobre espiritualidade e consciência, mas sem religião. Engenheiro Civil, pós-graduado em Educação em Valores Humanos (inspirado em Sathya Sai Baba) e Estudos da Consciência com ênfase em Parapsicologia. E, como ele sempre diz: “Me ame quando eu menos merecer, pois é quando mais preciso.”
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