CRÔNICA - COMO ESCREVER UMA CARTA AO UNIVERSO

CRÔNICA – COMO ESCREVER UMA CARTA AO UNIVERSO

Prezado Universo,
Confesso desde já que não sei como você funciona. Aliás, nem sei como eu funciono. Não me conheço, não medito, não estudo, não questiono. Sou apenas mais um ser humano normotípico, orbitando confortavelmente o senso comum, acreditando que espiritualidade se resume a repetir frases prontas e pedir coisas que não mereço.

Estou repleto de sonhos — digo, desejos — quase todos materialistas, superficiais, baseados em padrões sociais que absorvi sem filtro desde o berço. Espiritualidade, para mim, é um conceito abstrato demais; no máximo, um enfeite nas redes sociais ou uma prática ritual repetida mecanicamente no fim do dia. Provavelmente, sou só mais um religioso programado, um devoto por inércia, ou quem sabe um fanático de manual.

Não tenho discernimento, muito menos cultura consciencial. Mas tenho fé — daquela cega, que acredita que o universo é uma espécie de gênio da lâmpada cósmico, pronto para atender meus caprichos se eu repetir com força o mantra da “lei da atração”. Não compreendo o karma, mas espero que ele me recompense sem esforço. Desejo subir ao céu sem ter descido à alma.

Valorizo o que é visível: dinheiro, fama, status e aparência. Isso me basta — ou melhor, me vicia. Minhas crenças são confortáveis, mesmo que autoenganadoras. Acredito piamente que escrever cartinhas ao universo, acender velas para o “conselho kármico” e mentalizar meu novo carro de luxo vão resolver a minha vida. É improvável? Mais do que ganhar sozinho na mega da virada. Mas quem liga? A ilusão é quente, úmida e confortável.

Assim sigo, retroalimentando essa bolha de ilusões com conteúdo pasteurizado de influenciadores espiritualistas descolados, que também não entendem nada, mas sabem vender bem suas fórmulas mágicas para uma plateia carente de verdade.

Portanto, Universo — se ainda tiver um resquício de lucidez cósmica — faz um favor: aplica um tapa kármico bem dado em todos nós. Em mim, por ser ingênuo. Neles, por serem oportunistas. E, sobretudo, em nome daqueles mestres da consciência que se calam, mas que merecem ser ouvidos.

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