Estudo mostra que técnicas de meditação da Kundalini Yoga podem ser tão eficazes quanto remédio ou terapia frente ao transtorno obsessivo-compulsivo
Por Naiara Magalhães
Retirado de <https://saude.abril.com.br/bem-estar/uma-meditacao-para-controlar-o-toc/> em 19/03/2020 integralmente.
Meditação Kundalini Yoga é testada com sucesso em pacientes brasileiros com TOC. (Ilustração: Pedro Piccinini/SAÚDE é Vital)
Imagine sair do psiquiatra com a seguinte prescrição: “Meditar uma vez ao dia, durante uma hora. Uso contínuo”.
Que lhe parece? Coisa do passado? Ou fantasia do futuro? Pois um estudo realizado pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, além de outras instituições americanas e brasileiras, acaba de mostrar que essa pode ser uma ótima recomendação para os tempos atuais.
O trabalho, recém-publicado na prestigiada revista acadêmica Frontiers in Psychiatry, constatou que pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) de moderado a grave tiveram uma redução de 40% nos sintomas depois de passarem quatro meses e meio praticando técnicas específicas de meditação da Kundalini Yoga. Trata-se de um sistema difundido no Ocidente pelo mestre indiano Yogi Bhajan — não tem a ver, portanto, com a meditação Kundalini associada ao famoso guru Osho.
Desses participantes, aqueles que continuaram na pesquisa até o fim, por mais um ano, alcançaram uma melhora de 50% nas manifestações do TOC. Três pessoas chegaram a zerar os sintomas de obsessão e compulsão. “Os resultados colocam essa prática de meditação no ranking da primeira linha de tratamento do TOC”, avalia um dos autores do estudo, Rodrigo Yacubian Fernandes, médico do Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, e professor de Kundalini Yoga. Foi ele, aliás, quem instruiu os voluntários durante a pesquisa.
Caracterizado pela presença de pensamentos desagradáveis, repetitivos e invasivos, muitas vezes aliviados com rituais compulsivos, o TOC é usualmente tratado hoje com medicamentos antidepressivos e uma linha de psicoterapia chamada terapia cognitivo-comportamental (TCC).
Ainda que essas abordagens sejam consideradas o “padrão-ouro”, um número expressivo de pessoas não responde bem a elas. Metade dos pacientes tratados apenas com remédio e 30% dos pacientes submetidos à combinação de medicamento e psicoterapia não têm melhora significativa dos sintomas.
É nesse contexto que o achado vem sendo saudado como uma notícia e tanto. O TOC está entre as doenças de mais difícil controle e é classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das dez mais incapacitantes do planeta.
“O resultado me parece bastante encorajador, especialmente em se tratando de um tipo de intervenção que não tem risco para a saúde e possui um custo baixo”, analisa o psiquiatra e psicoterapeuta Carlos Gustavo Mansu, do Instituto de Psiquiatra da USP, que não participou do estudo.
A pesquisa avaliou o impacto da meditação Kundalini Yoga sobre o TOC e comparou seus efeitos com os de outra técnica meditativa bastante conhecida, a chamada resposta de relaxamento — esta proposta pelo cardiologista americano Herbert Benson nos anos 1970 para tratar casos leves de pressão alta.
O que é a meditação Kundalini Yoga
Trata-se de uma linha de ioga originária do noroeste da Índia e trazida para o Ocidente pelo indiano Yogi Bhajan, em 1968. Foi ele o responsável por divulgar, a partir da Califórnia, nos Estados Unidos, as quase 5 mil técnicas descritas para as mais diversas finalidades – combater o medo, enfrentar a morte, vencer a depressão, reduzir pensamentos obsessivos ou ajudar no luto, entre outras.
No Ocidente, a eficácia dessas técnicas, estabelecidas por milênios de modo empírico, passou a ser estudada academicamente na área da saúde. Hoje estão em curso pesquisas amparadas em exames de neuroimagem, marcadores biológicos rastreados pelo sangue e saliva e parâmetros clínicos chancelados pelas ciências médicas.
Segundo o médico Rodrigo Yacubian Fernandes, a Kundalini Yoga tem como aspectos marcantes uma busca intensa do estado meditativo e o frequente uso de sons (mantras) durante as práticas. Nesse sistema, as meditações também costumam ser mais dinâmicas, com movimentos das mãos, dos braços, da coluna e da cabeça, ainda que sejam feitas em postura sentada – é diferente, portanto, daquela imagem de uma pessoa de pernas cruzadas, imóvel e em silêncio o tempo todo.
Meditação à prova
O estudo contou com 48 homens e mulheres de 18 a 65 anos que tinham diagnóstico de TOC há pelo menos seis meses e passaram por avaliação com psicólogos especializados. Numa escala tradicionalmente utilizada para avaliar o grau de perturbação com sintomas obsessivos e compulsivos, com máximo de 40 pontos, todos marcaram acima de 16 ao serem admitidos, o que indica nível de moderado a grave.
Os participantes não podiam estar fazendo psicoterapia nem estar tomando remédios benzodiazepínicos (calmantes) no momento da admissão e nos seis meses anteriores, devendo se manter assim também ao longo de todo o experimento. Assim, os pesquisadores poderiam medir os efeitos da meditação sem a interferência desses fatores.
Era permitido apenas que os participantes tomassem algum medicamento da classe dos antidepressivos, normalmente prescritos no tratamento do TOC, com a dosagem estável há pelo menos três meses, sem poder mudar de remédio nem aumentar a dosagem durante o estudo — só era permitido reduzir a dose ou suspender o remédio. Os critérios de inclusão e exclusão dos voluntários foram tão rigorosos que o processo de recrutamento levou um ano.
Os participantes selecionados foram divididos em dois grupos: cada um foi instruído a praticar um tipo de meditação sem saber exatamente qual. De um lado, a Kundalini Yoga; do outro, a resposta de relaxamento. Eles participavam de encontros semanais no Instituto de Psiquiatria da USP e as práticas tinham duração de uma hora cada.
As meditações eram realizadas com as pessoas sentadas em cadeiras. Nenhuma habilidade física ou experiência prévia era necessária — poucos voluntários já tinham meditado antes. O grupo da Kundalini Yoga foi conduzido por Rodrigo Yacubian Fernandes e o grupo da resposta de relaxamento foi instruído por Marcelo Batistuzzo, psicólogo praticante dessa vertente.
As técnicas foram ensinadas no primeiro dia e, ao longo da pesquisa, eram repetidas e aprimoradas pelos participantes. No caso da meditação da Kundalini Yoga, as sessões envolviam uma sequência de 11 técnicas que incluem sons (mantras), exercícios respiratórios (pranayamas), gestos com as mãos (mudras) e movimentos com os braços e o corpo (kriyas). Na resposta de relaxamento, a prática era composta de atenção a certas partes do corpo e à respiração, combinada com a repetição mental de uma palavra — as técnicas estão descritas integralmente nos suplementos do artigo científico.
Os participantes foram solicitados a praticar em casa nos outros dias, da mesma forma que faziam com os instrutores, e deveriam marcar numa tabela quando tinham conseguido meditar e por quanto tempo. Assim foi concluída a primeira fase do estudo, durante quatro meses e meio.
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