Retirado integralmente de: https://melhorcomsaude.com.br/aporofobia-rejeicao-e-desprezo-pelos-pobres/ em 17/01/2023.
Por que algumas nações rejeitam os imigrantes, porque eles são estrangeiros ou porque são pobres? A filósofa Adela Cortina argumenta que esta aversão se deve a sua condição de pobreza.
A aporofobia é um neologismo formado a partir da conjunção de dois termos gregos: aporos (sem recursos) e phobos (medo). Significa ódio, medo, nojo ou hostilidade para com os pobres, sem recursos ou desamparados.
A primeira a utilizar e divulgar esse novo conceito foi a filósofa e professora da Universidade de Valência, Adela Cortina, nos anos 1990. Seu objetivo era diferenciar essa atitude de outras manifestações discriminatórias, como a xenofobia ou o racismo. Nesse sentido, Cortina defende que atos de xenofobia, racismo, rejeição a imigrantes ou refugiados, são na verdade manifestações de uma aversão que não ocorre pela condição de estrangeiros, mas pelo simples fato de serem pobres.
Como a aporofobia se expressa?
Na vida cotidiana, a aporofobia se manifesta em uma atitude dupla. Em primeiro lugar, na tendência de tomar o partido dos mais bem situados, de quem se pode obter algum benefício; e, em segundo lugar, na propensão a ignorar os mais vulneráveis, que parecem incapazes de oferecer algo em troca.
A rejeição dos imigrantes não se faz pela condição de estrangeiros, mas porque eles não têm nada a oferecer. Por exemplo, nenhuma nação rejeita um xeque árabe de se estabelecer em seu país, nem é negada a residência a um famoso jogador de futebol estrangeiro. Além disso, por exemplo, os iates atracam sem problemas na rica costa do Mediterrâneo, enquanto os exilados afundam tentando alcançá-la.
Nesse ponto, Cortina se pergunta o que está por trás desse duplo padrão de aceitar e rejeitar imigrantes. Algumas pessoas são rejeitadas porque são estrangeiras ou porque são pobres?
A autora responde a essa pergunta afirmando que “os pobres são rejeitados, mesmo que sejam da própria família”. Em outras palavras, os pobres, ao invés de suscitar hospitalidade, o que despertam é rejeição e hostilidade.
Causas Possíveis
As causas da aporofobia não são muito claras. No entanto, algumas hipóteses têm sido propostas.
Cérebro xenófobo
Baseando-se na neurociência, Cortina diz que o cérebro tem um componente xenófobo como mecanismo de sobrevivência. Ou seja, as pessoas têm uma tendência biológica de se cercar de pessoas com quem sentimos mais afinidade.
Isso significa que tendemos a nos agrupar com pessoas que falam o mesmo idioma que nós, que têm uma fisionomia parecida, a mesma cultura, etc. Portanto, aqueles que divergem provavelmente promoverão nossa rejeição. O cérebro pode interpretá-los como uma ameaça.
No entanto, esta explicação por si só não justifica a presença de aporofobia. É importante destacar que o ser humano é um animal racional com grande componente empático. Somos capazes de cuidar dos outros, independentemente das diferenças.
Falta de reciprocidade
Cortina afirma que a aporofobia se baseia no princípio da reciprocidade e da troca econômica. As pessoas têm que ter uma utilidade no sistema.
Os pobres, sem recursos, são rejeitados porque nada têm a oferecer à sociedade, nessa perspectiva. Em outras palavras, os pobres são aqueles que não têm ferramentas para devolver o que lhes é dado.
Dissonância cognitiva
Do ponto de vista psicológico, foi sugerido que a aporofobia poderia ser consequência da dissonância cognitiva. Isso é definido como um distúrbio psicológico experimentado quando há duas ideias incompatíveis ou um comportamento incompatível com nosso sistema de crenças.
No caso da aporofobia, percebe-se uma discrepância entre a forma como alguém se vê ( “sou uma boa pessoa” ) e seu comportamento ( “não ajudo nem desvio o olhar quando me deparo com uma pessoa vulnerável” ). Esse conflito pode nos levar a buscar justificativas para racionalizar comportamentos dissonantes, criando motivos para rejeitar os pobres.
Ideologias politicas
Do ponto de vista ideológico, o pensamento neoliberal (baseado no individualismo, na competitividade e na meritocracia ) pressupõe que o sucesso depende apenas de vontade, esforço e talento; que as circunstâncias socioeconômicas nada têm a ver com isso.
Portanto, ao invés de entender a pobreza como um fracasso social, reagimos desprezando e culpando os pobres por sua situação. Ou, no melhor dos casos, aplicando-lhes uma presunção de responsabilidade.
Impactos sociais e pessoais
A aporofobia é um fenômeno que alimenta o círculo vicioso da exclusão e da marginalização. Em primeiro lugar, porque tem um impacto negativo na autoestima das pessoas, que realimenta a espiral da degradação.
Em segundo lugar, porque a rejeição dificulta a reinserção social e laboral. A situação de pobreza assume-se como um traço permanente e imutável da identidade das pessoas.
O discurso baseado na aporofobia resulta na desumanização e objetificação das pessoas. Sua versão mais severa pode causar violência verbal ou física, com escárnio, insultos, humilhações ou agressões físicas.
Por sua vez, esses ataques têm um impacto severo na saúde mental das vítimas, que muitas vezes experimentam um sentimento de impotência e vulnerabilidade, medo, ansiedade, depressão ou mesmo ideação suicida.
Como superar a aporofobia?
Adela Cortina propõe que a melhor forma de acabar com a aporofobia é através da educação formal e informal (escolas, universidades, mídia, redes sociais ). Ali a compaixão e o altruísmo devem ser cultivados.
Por sua vez, devemos desmantelar essa falsa crença de que os pobres não têm nada a oferecer. Cortina afirma que não há ser humano que não seja capaz de oferecer algo valioso. Se não conseguimos ver, é porque devemos aguçar mais a visão.
Compaixão e empatia são anuladas quando acreditamos que os pobres são culpados de sua pobreza. É por isso que, para alcançar um mundo mais compassivo, devemos questionar e repensar nosso próprio sistema de crenças.
A ideologia que defende que a pobreza não é o resultado de condições estruturais, mas sim o resultado da indolência, do erro individual ou da culpa pessoal, encoraja o pobre a ser visto como uma ameaça. Desta forma, culpá-los encoraja-os a serem ignorados e até perseguidos.
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