– Por Clair Nery Cardoso –
Seu andar calmo e rosto plácido destoavam do movimento naquela hora. Era dezembro e as pessoas, preocupadas com as compras de fim de ano, atropelavam-se na movimentada rua do centro da cidade. Levou alguns encontrões de pedestres, que gostariam que ele não estivesse em seu caminho, e buzinadas por ter o desplante de estar no meio da rua quando o sinal abriu. Aproximou-se de um mendigo e disse-lhe algumas palavras de consolo, recebeu um olhar amável, que durou até ele perceber que não ganharia esmola. Ao afastar-se ouviu um xingamento. Entrou em uma loja e viu pessoas que, quanto mais abriam a carteira, mais fechavam seus corações. Procuravam, talvez, compensar uma coisa com outra. Na seção de televisores ficou um bom tempo assistindo às notícias de crimes brutais e guerras sem sentido.
Foi a uma igreja escolhida ao acaso, poderia ser qualquer uma, ele não tinha religião. Ficou parado na porta ouvindo as últimas palavras do culto que estava terminando. Em seguida, notou, nas pessoas que saíam, a mesma irritação das que estavam fora. Havia apenas uma diferença, estas últimas achavam que já haviam feito sua obrigação. Saiu e voltou a andar na calçada.
Do outro lado da rua percebeu alguém que andava calmamente e sorria para ele. Aguardou até que atravessasse e deu um abraço no amigo.
– Esperava alguma mudança?
– o outro perguntou. – Sempre esperamos. Plantamos todas as sementes, mas, salvo algumas exceções, infelizmente estão demorando a germinar.
– É verdade. Lembra dos outros lugares? Havia alguns onde o progresso exterior era acompanhado por uma melhoria nos padrões éticos e de convívio, mas sempre existem aqueles mais difíceis – terras áridas que demoram mais. Foi bem impressionante o progresso dos últimos cem anos, mas ele perde força e até põe em risco o planeta se não houver, em contrapartida, um crescimento interior.
– E a reunião, está preparada?
– Sim, mas pelo jeito o diagnóstico de todos os participantes será o mesmo da última reunião, feita quando estes seres ainda deslocavam-se em lombo de animais ou movidos pelo vento. Ainda não estão preparados.
– É verdade. Eles não entenderam quase nada ainda.
– E sem esta compreensão fica muito difícil perceberem-se como fragmentos do Pai. Criam religiões com complicados rituais, prendem-se a detalhes, brigam por eles e esquecem o essencial. – Mas, apesar de tudo, as sementes que deixamos são suficientes, o restante cabe a eles. – Sim, vai demorar mais um tempo, mas eles chegarão lá. – Os que foram para o Oriente estão prontos?
– Sim, já retornaram para a nave.
– Então vamos, Krishna? – Já que me chama pelo nome que ganhei neste mundo, vamos Nazareno…
– Mais uma coisa, no próximo mundo que descermos em missão, que tal se você ficar com a cruz e eu com as flechas? Curitiba; verão de 2007.
– Nota de Dalton Campos Roque: Clair Nery Cardoso mora em Curitiba e é meu amigo há anos. É escritor (co-autor do livro de contos “Proibido Ler de Gravata”) e estudante de temas espirituais.
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