Debruço-me hoje sobre as areias da tua alma e deixo por instantes de admirar as infinitas miragens do deserto das vidas. Quero ocupar-me de ti nesta hora de solene intimidade e conversar contigo no silêncio do teu quarto.
Não sou um mito de pedra nem tenho morada nos areais do Egito. Meu monolítico perfil é feito de estrelas e galáxias jamais suspeitadas pela tua mais elaborada fantasia e minha essência impregna o âmago de todos os mistérios conhecidos e desconhecidos. Existo em todos os recantos do Universo, bem como na mais secreta dobra da tua alma.
Sou o enigma de Deus e, portanto, o teu enigma.
Não devoro nem corpos nem almas. Os beduínos que me contemplam, mas não entendem, é que são devorados por seus próprios erros e ilusões. Assim, vida após vida, corpo após corpo, nome após nome, eles vagueiam como sombras pelo meu deserto, participando sem saber da infinita encenação do Teatro Universal.
Tal como eles estás errando pelas areias da vida. Vejo que não tens cavalo, camelo ou sandálias. Existem andrajos por baixo de tuas melhores roupas. Na verdade, estás nu por baixo delas. Percebo em ti uma fome e uma sede infinitas. Há certo cansaço em teu rosto e muitas bolhas em teus pés. Existe em teus olhos a esperança do próximo oásis e na tua memória a imagem amarga de todas as desilusões que passaram. Noto até mesmo uma certa vontade de desistir…
Tenho ouvido tuas súplicas silenciosas. Sou a grande testemunha de Deus. Tenho acompanhado tuas angústias secretas. Não sou um assombro de pedra como possas pensar. Tudo em mim se enternece diante dos teus reclamos mais íntimos porque também sou uma imagem do Deus a quem oras, na verdade um Deus bem diferente do que imaginas.
É mentira dizer que as esfinges são monumentos pétreos e famintos que devoram a todos que não resolvem o seu enigma. Eu e todas as minhas irmãs, da Terra e do Universo, sabemos sorrir e chorar. Na verdade, somos o estribilho da tua dor, o eco das tuas parcas alegrias e uma das notas fundamentais da Canção Universal. Não sou de carne, mas conheço as agruras da carne. Não tenho ossos, mas conheço as aflições da medula. Estou no teu sorriso e na tua lágrima, no teu sonho realizado e na amargura do teu fracasso. Sou companheira de todos os voos da tua alma. Vivo no silêncio secreto da tua intimidade e conheço todos os teus gemidos mais íntimos. Para mim sempre foste de cristal…
Já ouvi várias vezes a tua história, pois foste tu mesmo que a contaste. Sempre estive mais disposta a ouvir do que a falar. Sou o teu confessionário secreto e, portanto, a mais fiel das testemunhas de quem realmente és por trás da máscara da personalidade e do teatro do mundo. De mim não precisas esconder nada, pois sei tudo. Sou dona de teus mais caros segredos, mas os respeito com a dignidade de um confidente silencioso. Afinal, existe mais sabedoria no silêncio do que nas palavras…
Muitos mistérios compõem o meu próprio mistério. Assim quis o Grande Arquiteto que me criou com a Magia dos Quatro Elementos que latejam em teu corpo e no meu. Em mim trabalham os gnomos, banham-se as ondinas, deslizam os silfos e dançam as salamandras. Procuro despertar-te para o quinto elemento, a silenciosa alavanca que, uma vez dominada, fará com que tenhas poder sobre tudo que te cerca, inclusive o mistério que dorme em mim. Se me compreenderes e dominares estarás no primeiro patamar da Luz e no solene berço da Magia.
Não estou apenas no deserto ou no pórtico de alguns templos. Estou dentro de ti e sou parte de ti. Represento o Mistério de Deus, mas não sou Deus. Represento o fundamento da Magia, mas não sou a Magia.
Portanto, não deves me adorar nem me tomar pelo que não sou.
Reflete, antes, sobre o que te digo, pois é muito grande a legião de seres que, mesmo me possuindo, ignora completamente por que razão existo e por que motivo aguardo.
És um andarilho como tantos outros que cruzam as areias do deserto da vida. Buscas o mesmo horizonte e padeces das mesmas ânsias. Todas as tuas lágrimas já foram choradas e teus sonhos hoje são névoas que pairam no silêncio de todos os campos santos.
No enganoso oásis das cidades, sejam elas metrópoles ou povoados, vive-se para o momento e para o lucro fácil. É muito prática e superficial a filosofia dos homens. Irmãos devoram irmãos, maculando a fraternidade cósmica com a nódoa do egoísmo e o feio esgar da ambição. Nessas cidades os momentos de paz, cada vez mais raros, são meros interlúdios para novas guerras e o dinheiro, transformado em deus de barro, reúne a seus pés uma interminável multidão de súditos. É aterrador o ritmo da civilização e pungentes os gemidos que se desprendem de casas e edifícios, seja no campo, seja nas cidades.
Preserva o teu lar, mesmo que te sintas sozinho. Preserva o teu jardim interno, porque ninguém poderá substituir as tuas flores. Constrói um cantinho para ti e respeita-o como se fosse o teu templo secreto. Será em seus braços que poderás, um dia, falar com Deus.
Não o conspurques com presenças discordantes nem permitas que esse pequeno santuário seja vilipendiado pelos superficiais. Deixa que a luz das estrelas more contigo e que teu interior seja sempre uma campina enluarada. Nada é perfeito sem AMOR. Cultiva-o ainda que te faça sofrer. Raramente os aliados do AMOR são aceitos sem represálias. Portanto, aceita o sofrimento como um imposto a pagar pelo ato de tão bem querer…
Aprende a interiorizar-te. Se não souberes como, pergunta a quem sabe e já o fez. Todas as respostas que formulas do lado de fora se acham respondidas do lado de dentro. Eu as dou todas.
Mas primeiro precisas dominar-me e compreender o que para tantos ainda é nebuloso ou quase impossível de perceber. Precisas elevar-te uma oitava acima da sensibilidade corrente. A vibração do homem comum não me alcança. Passam ao largo os distraídos e os mistificados. Desiludem-se os ansiosos. Entendem-me mal os adoradores da matéria. Tu, no entanto, precisas me entender integralmente, caso estejas realmente interessado em evoluir.
Sabias que até a busca do amor humano é uma forma de procurar uma imitação do amor de Deus? Em todos os teus anseios mais secretos repousa a necessidade de pertencer. Queres possuir alguém e ser possuído por alguém. Queres amar e ser amado com uma perfeição que desafia as imperfeições do mundo. Assim, mesmo sem o sentires, desejas intimamente que o amor buscado e encontrado seja como o amor perfeito do Pai Celestial, um amor infinito, reconfortante, livre de deslizes ou máculas, um amor em que possas confiar de modo pleno e seguro. Um amor que te faça sentir realizado e livre das preocupações que regem o concerto dos encontros. Como não é exatamente o que sonhavas isso te incomoda, não é mesmo? Isso te torna preocupado e te faz infeliz. É que talvez ainda não te tenhas apercebido de que os seres humanos são, apenas, aprendizes do amor e que é essa a grande lição ainda não aprendida pela humanidade.
Homem algum é uma ilha, porque mesmo as ilhas desertas têm praias que se abrem aos beijos do mar. Mesmo as ilhas desertas têm florestas que se espreguiçam aos beijos do sol e às carícias da lua. Até mesmo as pedras se deixam envolver pela fúria amorosa do oceano e aceitam com ternura o amor dos moluscos. Todo homem, para ser realmente homem, tem de dar-se por inteiro a quem lhe queira tomar por inteiro.
Mas a solução do pertencer não se encontra oculta por trás das últimas estrelas, nem ao redor do disco cintilante dos milhares de sóis anônimos que pairam no universo. O pertencer é, antes de tudo, a disposição de não sermos apenas de nós mesmos, mas de alguém especial ou de toda a humanidade. O melhor nos seres humanos clama por amor, porque o amor realiza a divina alquimia que transmuta o chumbo em ouro. Essa alquimia ainda não compreendida tem no AMOR a sua pedra filosofal e era isso, afinal de contas, que os verdadeiros alquimistas da Idade Média procuravam passar aos leigos por trás de suas complicadas fórmulas. O “ouro filosofal” nada mais era (e ainda é) do que uma profunda reforma interna derramada num cálice de dor. Os alquimistas superficiais, ainda não preparados para a Grande Obra, prometiam prodígios aos potentados e, de vez em quando, voavam pelos ares em seus laboratórios de pesquisa, do mesmo modo que hoje “voam pelos ares” todos aqueles que se atrevem a utilizar métodos sórdidos para chegar e se identificar com a Divindade ou dela se tornarem prolongamentos.
Não fujas de mais nada nem de ninguém. Enfrenta-te sem as máscaras usuais da tua pretensa “personalidade” e olha-te como realmente és com novas e mais poderosas lentes. Não é bom o conselho que te derem os que nem mesmo conseguem orientar-se a si mesmos. Torna-te surdo ao argumento materialista, porque ele não consegue sair de si mesmo e é impotente para julgar o Infinito. Recorda sempre que matéria é energia condensada e que, portanto, tudo é matéria e tudo é energia. Isso te ajudará a entender melhor como é frágil a base da argumentação materialista e como é enganosa a estrada que tantos aconselham.
Quanto ao amor, aceita-o com todas as suas provas, porque é somente amando que voltas a ser criança e te tornas digno da oportunidade de ter nascido na Terra ou em qualquer outra dimensão espacial. Se o amor te feriu ou invalidou por longos períodos de tempo e precisaste de uma longa convalescença para conquistar a tranquilidade perdida, não deixes que isso impeça que o continues sentindo por outra pessoa ou por toda a humanidade. E que isso não te pareça estranho, porque existem diferentes formas legítimas de amar e ser amado. Assim, sê corajoso e bate em todas as portas sem medo de quaisquer julgamentos. O amor oferece ao homem e à mulher exercícios um tanto complexos dentro do contexto das relações humanas. Como aluno deves estudar e praticar o amor em todas as sua formas porque és fruto do AMOR UNIVERSAL e o AMOR UNIVERSAL age em todos os planos como um camaleão cósmico. Procura lembrar-te sempre que não és o corpo que vestes nem o que os espelhos refletem. Sente-te, pois, livre de amar e ser amado mesmo das formas mais inusitadas. Ouve esta verdade pouco conhecida: todos os amores são legítimos porque todos são ramificações do AMOR UNIVERSAL.
Perdido um amor não procures efetuar substituições. Cada ser é amado de uma forma diferente e nunca um amor é cópia do outro. Assim, Procura não enganar-te de forma tão cruel! Abraça-te a um amor antigo ou a um amor novo como as ilhas se abrem ao mar, como as matas se abrem ao sol e como o lótus se abre ao orvalho da noite. Não percas mais tempo com minúcias desnecessárias. O amor poderá realizar-te material e espiritualmente, de forma que possas dizer com justo júbilo: “Agora estou completo! ” Achas que poderias dizer isso agora? Permite que duvide…
Passa uma esponja no passado. Dissolve os teus grilhões e corta todos os liames que ainda te prendem a ele. Desenrola os cipós do pretérito. Começa vida nova em todos os sentidos. Apaga pessoas, fatos, dores, desenganos ou quaisquer experiências pelas quais te sintas marcado. Olha para a frente. Olha para mim. Mede teu novo horizonte. Aprende a olhar para tudo, inclusive para o céu de ti mesmo. Admira o brilho das estrelas que existem e já existiram. Acompanha com admiração a trajetória errante dos cometas. Torna-te surdo aos conselhos “práticos” que encontras em livros e interlocutores duvidosos. Os materialistas com quem colides só te podem dar conselhos horizontais, porque lhes é impossível qualquer tipo de verticalização. Quem é amargo só pode dar conselhos amargos. Quem é pessimista só pode dar conselhos sem fé. Lembra-te que cada um é produto de suas próprias experiências. Que sabe a figueira das maçãs que nunca conheceu? Que sabem os peixes da superfície de seus outros irmãos que habitam as regiões abissais? As respostas definitivas se acham dentro de ti. As temporárias vagam pelo mundo como retalhos imperfeitos da Verdade Absoluta que mora em tua essência mais íntima.
O mundo em que vives é um mundo cheio de almas superficiais, pouco profundas e convencidas. Nada sabem, mas pensam saber tudo. Não conseguem sequer me ver no fundo de si mesmas. De um certo modo, vivem para armar o próximo bote em cima da próxima vítima, sendo vítimas todos que lhes atrapalham o caminho. Não permita que essas almas “práticas” deformem o teu caráter pelo exemplo constante.
Recua em tempo de não te transformares em mais um elo do Poder Desagregador. Isso seria matar ou adormecer de vez o anjo que mora em ti, substituindo-o por mais um demônio sequioso de liberdade. Todos os demônios de que ouves falar foram um dia anjos que caíram.
Não te transformes em mais um deles. Permanece anjo o mais que puderes e deixa que riam de ti.
Tens me procurado em cada pergunta que formulaste ao vento, ao sol e à terra. Se não aprenderes a perguntar a mim serás mistificado até mesmo pelo mais renomado guru, porque o desnudamento da Verdade é proporcional ao grau de evolução de cada um e mesmo os mais evoluídos do teu mundo ainda precisam aprender muito, embora em outros Planos de Existência. Na casa do Pai há muitas moradas e cada morada é uma escola.
Uma vez iniciado o nosso diálogo logo perceberás que ele não tem fim. Um consolo te resta, no entanto: nunca te direi mentiras. Haverá sempre novas informações e elas irão mudando, aos poucos, a visão que tens de todos os seres, coisas e mundos. Depois que começares a conversar comigo tudo será diferente e nunca ninguém saberá o que sabes, a não ser uns poucos escolhidos com quem converso.
Comigo aprenderás o sublime valor do silêncio, porque só no silêncio te posso falar. Os ruídos do mundo apagam a minha voz porque ela é feita de notas que não existem na escala sonora dos homens.
Portanto, seja qual for o teu credo, seja qual for a tua filosofia ou visão crítica do universo recolhe-te a um lugar tranquilo e esquece o mundo com todas as suas inconveniências ruidosas. Começa por relaxar o teu corpo, afim de que tudo se acalme dentro de ti. Fecha, em seguida, os olhos e deixa-te flutuar no colchão do meu silêncio. No princípio pensamentos desconexos virão à tua mente e cruzarão teu céu interior como cometas enfurecidos. É tua rotina que se rebela contra teu novo estado espiritual. Deves insistir porque isso é passageiro. Depois de relaxado virá a sensação de flutuação.
Então, dar-te-ei o sinal da minha presença. Pequenas frases percorrerão o teu cérebro e minha voz inaudível será por ti ouvida dentro da cabeça sem o auxílio dos ouvidos. A voz da Esfinge dispensa o auxílio do tímpano. Uma advertência, contudo: se ouvires sons de campainha ou plangentes acordes de harpa é sinal que talvez estejas entrando em contato com o plano do teu Mestre ou merecendo participar, por instantes, de regiões mais elevadas do Plano Astral.
Será preciso, então, que controles as emoções e que não te deslumbres com nada. O deslumbramento fácil poderá te custar muito caro, porque há mistificadores no Plano Astral e eles poderão te enganar com a imagem de um falso mestre ou com algum tipo de cena que te apele aos sentidos grosseiros. É preciso cuidado para não te ajoelhares diante de certos demônios…
Depois disso, controladas as emoções e ouvidos os primeiros conselhos do teu verdadeiro Mestre, ele te dará forças para que continues por ti mesmo e, então, aparecerei para conversar contigo. Ele estará ocupando com outros discípulos. Como não tenho forma definida poderei aparecer-te como bem me aprouver. Para essa transformação conto com a paleta dos Quatro Elementos. Espero que me reconheças…
Nosso verdadeiro diálogo ainda não começou. Aceita estas palavras como um amável convite. Por hoje só posso dizer o que já disse. O resto é contigo.
Vou me dissolver agora na canícula do deserto. E o próprio deserto vai desaparecer como se fosse miragem. Vou dormir um pouco no berço do Cosmos e meu corpo assume a forma de uma criança inocente. Será preciso que durmas também e que te faças criança como eu. O camelo do sono virá buscar-te para que adormeças aos pés da mais tépida tamareira.
Olha como a noite está bonita…! Para além daquelas estrelas cintilantes está tua verdadeira pátria. As últimas nebulosas visíveis são a fronteira do teu Lar. Ali te esperam teus verdadeiros amigos e ali continuarás a ser mais um obreiro iluminado a cooperar na construção do Grande Edifício da Verdade.
Vai descansar também. Acho que te fatiguei. Volta, por enquanto, ao teu mundo, mas guarda silêncio sobre o nosso diálogo. Se desobedeceres, dirão que estás louco e não queres que digam isso de ti, não é mesmo?
Fico aqui agora. Vai e volta quando quiseres. Estarei te esperando eternamente e tua saudade de mim será igual à minha saudade de ti.
Logo estaremos juntos de novo, porque, se queres saber, nunca estivemos separados…
Sheik Al-Kaparr
Sobre o Sheik Al-Kaparr – por ele mesmo
“Não tenho religião nem pertenço a qualquer seita ou colégio de magos. Meus pilares místicos eu os tirei da Terra dos Deuses e da Terra dos Homens, pois muito se machucará quem não haurir concomitantemente forças e conhecimentos dessas duas fontes. Não faço escola nem quero discípulos.
“Tudo que digo ou escrevo é fruto de minha experiência pessoal e ninguém deve sentir-se obrigado a seguir minhas ideias. Sou um livre pensador. Adotei o apelido de sheik porque sou, como todos, um beduíno da vida, mas não um vagabundo das areias. Tanto encontrei oásis maravilhosos em minha peregrinação como fui vítima das mais enganosas miragens.
“Em ambas as circunstâncias aprendi lições valiosas que procuro passar a meus companheiros de jornada. Fiz do AMOR, depois de conhecer o desespero do ateísmo, a minha pedra angular e, assim fazendo, atingi a Sagrada Compreensão que reconhece em todos os credos uma forma de caminhar sob medida para a fusão com Brahma.
“Vivemos num planeta de provas e, como alunos, tudo devemos fazer para passar de ano. Cada um conseguirá, algum dia, libertar-se de seus apegos e ilusões. Isso demanda tempo e muitas vidas de aprendizado. Ninguém deve ter pressa, porque o amadurecimento espiritual, imitando a Natureza, não dá saltos. Tudo virá no seu devido tempo, porque os relógios jamais marcarão meio-dia antes que o sol nasça de novo e os ponteiros sigam o seu percurso rotineiro.
“Cada fato da vida, doce ou amargo, é um retalho precioso, uma experiência única, na colcha de retalhos da existência em carne. Tudo é válido e tudo é lição, até o corpo estraçalhado no meio das ferragens de um carro destruído na beira da estrada ou a incômoda dor de barriga que sucedeu ao nosso excesso gastronômico. A vida é feita de lágrimas e sorrisos. Nada mudará isto, chame você isto de karma, destino, praga, azar ou maldição.
“Revelo a meus companheiros o que aprendi, procurando, com isto, fazer com que errem menos. Nem sempre essa tentativa rende bons frutos, pois nunca se sabe onde a semente lançada ao vento encontrará solo fértil para germinar.
Correremos sempre o risco de jogar pérolas aos porcos… Mas são exatamente esses “porcos” que demandam mais a nossa atenção e que precisam de um número maior de pérolas. Portanto, minha lei é semear sempre, sem esperar resultados, ainda que no meio de “porcos” integrantes da vara de MAYA.
“Deus poupa o mundo de desgraças maiores examinando atentamente a soma dos sentimentos positivos que os homens de fé abrigam em seus corações e deixam fluir por suas mãos. A todos nós Ele deu um guia, um mentor, um aliado para as horas difíceis, um “anjo da guarda” ou uma voz silenciosa que vibra reluz e fala nas mais recônditas dobras da alma.
”Ele nos deixa livres para ser bons ou ser maus, profundos ou superficiais, eloquentes ou gagos, mas não nos deixa nunca desamparados. Assim, cada homem plasma o seu destino e sela a sua própria sorte. A amarga taça da dor e as vibrantes chicotadas da vida abrem os nossos olhos e nos mostram a realidade que escondíamos ou não queríamos ver com o manto da nossa fantasia.
“Está ainda por ser feita, pelo menos pela maioria dos homens, a mais atrevida e a mais vibrante das descobertas: o conhecimento de si mesmo. Não descobriremos isso nem pela viagem astral, nem pelo frio depoimento das sondas espaciais, nem pela leitura ou a pesquisa de grossos tomos da história das religiões. Isso não nos acrescentará nada em termos espirituais, a não ser um transitório verniz de cultura. Seremos profundos conhecedores da trajetória do bicho-homem através da História, mas jamais conheceremos, por esse meio, a misteriosa e desconcertante saga das almas.
“Ainda está por ser promovido o mais solene dos encontros: o encontro com nós mesmos! Se não nos conhecermos, jamais conseguiremos conhecer os outros, as coisas, os mundos e seres. Todos precisam de um tipo de “ioga” (união com Deus) para esse conhecimento.
“E duras provas aguardam aqueles que ousarem esse santo e supremo atrevimento, porque, seja qual for o Mestre escolhido como modelo, será preciso, depois da identificação com ele, seguir as suas pegadas e essas pegadas levam sempre à renúncia, à compreensão e ao desapego, ou seja, um tripé que gera muitas dores, decepções e lágrimas ocultas na solidão da alma.
“Os ensinamentos e sugestões que apresento aos que me ouvem ou leem eu os hauri da Verdade Universal, que, apesar de imutável em sua essência mais íntima, sofre pequenas ou grandes deformações através dos diferentes e múltiplos credos que a procuram trazer aos homens.
“Quando falo ou escrevo ofereço aos leitores ou ouvintes uma súmula do que aprendi ao longo do Caminho, poupando-os assim de apelar para livros enganosos ou depoimentos truncados. Ofereço-lhes, portanto, uma síntese do que aprendi, procurando queimar algumas poucas etapas de uma busca que não terminará nunca por ser eterna: a busca de si mesmo.
“Sei que, às vezes, digo coisas que incomodam ou causam mal estar. Isso é inevitável, principalmente para os principiantes e os apressados. Nem sempre posso oferecer aos que me ouvem ou leem um delicioso suco de tâmaras. Vez por outra é necessário passar uma verdade mais ácida ou um conhecimento mais amargo. Tudo sempre vai depender de quem ouve ou de quem lê. O que é doce para um pode ser amargo ou insuportável para outro.
“Somos todos iguais perante Deus, mas desiguais em termos de evolução espiritual. Os mais adiantados entenderão a mensagem imediatamente, enquanto os menos burilados começarão a dar nítidos indícios de inquietação ou alvoroço.
“Não procuro denegrir o valor dos estudos empreendidos pelos que se especializaram no estudo de religiões comparadas, nem poderia fazê-lo porque sei as analogias descobertas podem conduzir os mais atentos à sublime percepção de que tudo é uma coisa só vestida com diferentes roupagens. No entanto, desaconselho leituras desordenadas, muitas delas oriundas de autores que apenas repetem o já sabido ou criam novidades de acordo com os últimos apelos da esfarrapada espiritualidade que nos cerca.
“Tampouco posso aplaudir os que sabem tudo sobre, por exemplo, os Templários, os Martinistas, a Maçonaria ou que mergulharam nas brumas de Avalon, mas tudo ignoram sobre si mesmos ou que em nada refletem, em suas vidas diárias, a lição dos Grandes Mestres.
“Por que buscar os mistérios da Lemúria ou da Atlântida, tirar conclusões extraordinariamente inteligentes sobre os reinos egípcio, hitita e sumério, se esse conhecimento nada nos acrescentará espiritualmente, mas apenas servirá para polir os metais da nossa vaidade intelectual? Um homem, por exemplo, que tivesse memorizado todas as informações sobre a Bíblia ou o Alcorão seria, por causa disso, um bom cristão ou um bom muçulmano? Recitar com dramática habilidade os versos de Omar Kayan desvendaria as sutis lições sabiamente ocultas nas entrelinhas das Rubáyatas?
“Infelizmente topamos, a cada passo, com irmãos nossos que são verdadeiras enciclopédias ambulantes de cultura, mas cuja cultura os levou ao ateísmo ou a uma equivocada noção do que vem a ser Deus. São pessoas cultas – não negamos! – mas de uma desconcertante pobreza espiritual.
“Essas pessoas surgem aos borbotões e nas rodas de bate-papo reais ou virtuais despejam o conteúdo de seus cântaros com a mesma ânsia com que uma porca oferece as tetas a seus porquinhos. No entanto, via de regra, embora precisos historicamente, o seu leite só alimenta o corpo, mas deixa o espírito morto de fome. O alimento do corpo é importante, porém duplamente importante é o alimento da alma, pois será por meio dele que, como Filhos Pródigos, voltaremos à Casa do Pai.
“Discordo de quem diz que está na hora de desvendar todos os segredos, rasgar todos os véus e de abrir todas as portas a uma humanidade como esta que vemos no mundo todo simplesmente porque já entramos no III Milênio. Sim, nós entramos no III Milênio, mas e daí? Que progressos morais e espirituais estamos refletindo em todas as sociedades do mundo? Carcomidos pela droga, embalados pela cobiça, orquestrados pela violência e alucinadamente apaixonados pelo sexo livre, praticado com excesso pelo puro prazer que ele proporciona, estaremos melhores, em nosso século, do que em séculos anteriores?
“O que foi que mudou de realmente importante em nossas vidas? Que mudanças foram efetivamente operadas em nosso foro íntimo, se ainda há fome, se ainda há guerras, se ainda proliferam homicídios, latrocínios e estupros ao redor de todo o planeta? Que mérito acumulou essa humanidade ensandecida de nosso tempo e de todos os tempos para que lhe sejam reveladas verdades perigosas nas mãos da incompetência?
“Os pobres de ontem ainda são os pobres de hoje. A caridade continua sendo praticada a varejo, mas a maldade viceja no mundo por atacado. Os ricos de antanho não diferem muito dos ricos de hoje, que criam quistos de fartura e bebem sofregamente por sobre as cabeças daqueles a quem ofereceram um trabalho escravo ou mal remunerado. A má distribuição da riqueza continua galopando nas campinas do mundo e os desníveis sociais continuam cada vez mais intensos. Ainda se morre de fome. Ainda se morre de sede. A repetição de grandes guerras tem sempre um ou dois estopins acesos e o mundo, como se fosse um imenso paiol de pólvora, está sempre à mercê de perigosos rastilhos.
“Ainda existem o cárcere privado e as torturas de toda ordem. O tráfico de drogas e de armas é tão intenso quanto o tráfico de escravas brancas, a maioria delas de jovens ou adolescentes, arrebanhadas para serem sexualmente exploradas no lenocínio permitido das grandes metrópoles. As consciências continuam tendo o seu preço e a corrupção política e moral prossegue açoitando a humanidade com o chicote da vergonha.
“Hoje ricos e pobres roubam ou se vendem como nunca em busca de gordas ou magras propinas. A corrupção grassa no mundo de alto a baixo, sem respeito de classes sociais. Tanto é desonesto aquele que está no governo como aquele que geme num barraco. E a ausência de Deus é o grande maestro dessa melancólica verdade.
“É olhando para esse quadro dantesco e compreendendo que ainda não terminamos de viver a KALI YOUGA que o SHEIK AL-KAPARRA produz os seus textos a um tempo espirituais e sociológicos. Sim, porque não adianta entender nada de Espiritualidade sem entender, pelo menos um pouco, de Sociologia.
“Não de pode ficar alheio ao mundo material, tapando o sol com a peneira, e só cuidar das coisas de Deus sem praticar um ato de profunda injustiça. Precisamos conhecer profundamente o estado do mundo antes de conhecer profundamente a imagem do paraíso, os contornos do samadhi ou os interessantes aforismos de um credo poético. Uma coisa não fica completa sem a outra…
“Aprendi com um de meus mestres, o saudoso MALBA TAHAN, que se pode aprender qualquer coisa brincando. Isso explica meu espírito brincalhão nas salas de bate-papo e em sociedade, provocando, depois de uma breve preleção séria, um coro de gargalhadas. O humor marca os ensinamentos e se transforma num poderoso aliado. Saber usá-lo é uma arte na conversação e um trunfo a mais para o êxito.
“Um dia, sem mais nem menos, desaparecerei do atual cenário do mundo, mas para trás ficará tudo que escrevi, bem como a memória, mesmo fragmentada, de tudo que fiz ou deixei de fazer, inclusive o conteúdo de minha HP. Consolo-me, no entanto, pelo fato de saber que outros nascerão neste mundo com as mesmas ideias e os mesmos ideais. Como passageiro do vento devo ceder meu lugar a outros passageiros que aqui virão ter para cumprir missões iguais ou semelhantes.
Os leitores e leitoras que sobreviverem aos meus dias poderão sentir isso com vibrante realidade quando ouvirem tudo que disse pela boca de outro missionário. Sim, porque o vento leva e traz todas as coisas que, mesmo isoladamente, contribuem para o aprimoramento interno do ser humano, tirando-lhe a venda dos olhos e revelando-lhes o que, por vezes, não revelariam nem a si mesmos. E a Verdade revelada é e será sempre a mesma através dos séculos.”
* * *
O sheik calou-se e respirou fundo enquanto seus olhos se perdiam na imensidão do céu estrelado. Havia naquele olhar um misto de respeito e saudade muito secretos. Ele sorriu para mim e saudou-me à moda árabe. Estava terminada a entrevista e senti que ele não diria mais nada naquela noite. Notei, no entanto, já na porta da tenda, que seus olhos disfarçavam algumas lágrimas secretas. Procurei aproximar-me novamente, mas ele, com um silencioso gesto, pediu que eu não interferisse nos seus sentimentos.
E estas foram suas últimas palavras olhando para o céu estrelado:
“Ali é a minha verdadeira pátria. A saudade é muita, porém maior do que ela é a minha piedade por aquilo que meus irmãos fizeram do mundo. Serpenteando entre aquelas estrelas acham-se os riscos luminosos de todas as minhas esperanças e repousa o meu ideal de, um dia, mesmo que não esteja mais aqui, ver que os homens recuperaram a sua rota e já podem caminhar por si mesmos, levando Deus no coração em gloriosas procissões que reúnam todos os credos, todas as raças e todos os deuses que, somados, formam a simplicidade do Deus Único.”
fonte: http://br.groups.yahoo.com/group/Chaves-do-Oculto/message/296
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