ROCK consciencial - A Influência da Espiritualidade no Rock Progessivo

A INFLUÊNCIA DA ESPIRITUALIDADE NO ROCK PROGRESSIVO

– Por Wagner D. Borges – retirado de http://www.ippb.org.br/wagner/entrevistas/a-influencia-da-espiritualidade-no-rock-progessivo
(Matéria publicada no Jornal Metamúsica Número 10 – Ano 2000).

Obs: O texto é extenso e fala de rock progressivo, mas está cheio de informações técnicas sobre a projeção da consciência (viagem astral) e esclarecerá a vários leitores sobre diversos sintomas projetivos e bioenergéticos.

Outro dia, conversando com o Marcos, nosso amigo editor de “Metamúsica”, sobre a influência da espiritualidade em diversos temas do rock progressivo, ele comentou sobre um artigo em inglês que abordava justamente este assunto. Ocorre que o tal artigo era muito superficial, talvez até pelo fato de o autor não ser pesquisador dessa área. Daí, comentei com ele que eu tinha selecionado várias músicas que falavam sobre temas espirituais no contexto do rock progressivo. Resumo da história: decidimos fazer uma matéria sobre isso neste presente número de “Metamúsica”. Porém, como o tema é bastante abrangente, decidimos dividi-lo em duas partes.

Nesta primeira parte, estão algumas músicas que falam de viagens astrais e presenças espirituais. Elas demonstram nitidamente essa influência comentada.

Leia nossa página de sugestões de músicas.

Antes de comentarmos as letras delas, vamos a uma pequena introdução técnica sobre o que é uma viagem astral. Coloquei o assunto em perguntas e respostas para facilitar o entendimento dos leitores. Inclusive, acredito que muitos leitores reconhecerão várias das sensações descritivas deste fenômeno parapsíquico, mais comum do que se pensa. Esta introdução é absolutamente necessária para demonstrarmos a conexão deste assunto com diversas músicas do progressivo e do rock em geral. Vamos a ela:

1. O que é uma projeção astral?
– Projeção astral é a capacidade parapsíquica da consciência se projetar temporariamente para fora de seu corpo físico. É conhecida popularmente como viagem astral ou saída do corpo. Dependendo da doutrina ou grupo que pesquise esse assunto, os nomes para isso são os mais diversos. Por exemplo: “projeção astral” (Teosofia); “experiência fora do corpo” (Parapsicologia); “projeção da consciência” (Projeciologia); “desdobramento espiritual”, “desprendimento espiritual” ou “emancipação da alma” (Espiritismo); “saída astral” (Gnose); “projeção do corpo psíquico” (Ordem Rosacruz); ou simplesmente “viagem fora do corpo”.

2. Quer dizer que projeção astral é o mesmo que viagem astral ou saída do corpo?
– Sim, é a mesma coisa. É que cada um chama por um nome diferente, mas é a mesma experiência.

3. É um fenômeno que só ocorre com médiuns e iniciados esotéricos ou ocorre também com as pessoas comuns?
– As experiências fora do corpo ocorrem naturalmente com todos os seres humanos. É capacidade natural da pessoa. Independe de contexto religioso, cultural, social, esotérico, sexual ou racial. Ocorre que quando deitamos para dormir, o nosso corpo sofre uma redução natural de seu metabolismo. Os batimentos cardíacos ficam mais tranqüilos e o padrão de ondas cerebrais se modifica. Enquanto o corpo físico descansa, o corpo espiritual (também chamado de corpo astral, perispírito, psicossoma, corpo da alma, corpo sutil, corpo de luz) desprende-se e flutua por cima da parte física. Por ser um corpo de natureza sutil, pode se locomover em alta velocidade e voar a lugares do plano físico ou espiritual.
Essa experiência pode ocorrer de três maneiras básicas:
– Projeção consciente: a pessoa está lúcida fora do corpo e pode controlar a experiência.
– Projeção inconsciente: a pessoa está projetada fora do corpo, mas não tem consciência. Está dormindo fora do corpo.
– Projeção semiconsciente: a pessoa está fora do corpo meio-desperta. Percebe as coisas, mas não consegue interagir lucidamente com a experiência.

4. Quais são os sintomas de uma saída do corpo?
– Os sintomas preliminares de uma projeção são variados. Inclusive, muitos leitores se sentirão familiarizados com alguns deles. Normalmente, as pessoas sentem esses sintomas durante o sono, mas devido à falta de informação do que está acontecendo, elas ficam com medo de contar para outras pessoas. Descreverei agora estes sintomas:
Catalepsia projetiva: Esse fenômeno causa medo em muitas pessoas, mas é muito mais comum do que se pensa. A pessoa acorda no meio da noite (ou mesmo numa soneca durante o dia) e descobre que não consegue se mexer. Parece que uma paralisia tomou conta do corpo. Ela não consegue mexer um dedo sequer. Tenta gritar para chamar alguém, mas não sai voz nenhuma. A pessoa luta tenazmente para sair desse estado, mas parece que uma força invisível tolheu-lhe os movimentos. Inclusive, pode ter alguém deitado do lado e não perceber nada do que está acontecendo. Dominada por aquela paralisia, a pessoa grita mentalmente: “Eu tenho que acordar! Isso deve ser um pesadelo!” Mas ela já está acordada, só não consegue se mover. Devido ao pânico que a pessoa sente, seus batimentos cardíacos se aceleram. A adrenalina se espalha pela circulação e estimula o corpo. O resultado disso é que a pessoa recupera os movimentos abruptamente, normalmente com um solavanco físico (espasmo muscular). Em poucos momentos, seu cérebro racionaliza o fato e dá a única resposta possível: “Foi um pesadelo!” Algumas pessoas mais impressionáveis podem fantasiar algo e jogam a culpa da paralisia em demônios ou seres espirituais. Na verdade, a pessoa acordou no meio de um processo vibratório decorrente da mudança do padrão de vibrações do corpo espiritual em relação ao corpo físico. Ela acordou em um estado transicional dos corpos. Simplesmente, ela despertou para uma situação que ocorre todas as noites quando ela dorme. Antes, ocorria com ela adormecida, e naquela situação ela acordou bem no meio da transição. Se a pessoa ficar quieta e não tentar se mover, sentirá uma sensação de flutuação por sobre o corpo. Ocorrerá um desprendimento espiritual consciente! E então ela poderá comprovar na prática de que aquilo é realmente uma saída do corpo. Verificará por ela mesma de que não se trata de doença ou coisa do demônio. Se ela não quiser tentar a experiência, é só tentar mover o dedo indicador de uma das mãos ou uma das pálpebras, assim ela recupera o movimento tranqüilamente.
– Ballonemant: A pessoa acorda e sente a sensação de estar inflando (semelhante a um balão inflando). Na verdade, é sua aura que está dilatando, mas como ela não sabe disso, pensa que é o corpo que está crescendo e inchando em todas as direções. Se a pessoa ficar quieta e deixar a sensação continuar, ela se projetará suavemente para fora do corpo. Não há perigo algum. Inclusive, essa sensação é muito familiar a sensitivos e médiuns em geral, pois eles têm forte tendência de soltura energética.
– Sensação de falsa queda durante o sono ou cochilo: Quase todo mundo já sentiu isso alguma vez. A pessoa está deitada cochilando (hipnagogia) e, repentinamente, tem a sensação de estar escorregando ou caindo abruptamente da cama. Então, ela desperta com um solavanco físico e um pequeno susto. O que aconteceu? Simplesmente seu corpo espiritual deslocou-se uma polegada para fora do alinhamento vibratório com o corpo físico e foi tracionado vigorosamente para dentro, pois o metabolismo ainda estava ativo e impediu uma soltura maior. Quando eu era pequeno, minha vó dizia que isso acontecia comigo porque eu estava crescendo. Só que não cresci muito (tenho 1,67m de altura) e até hoje isso acontece comigo.
Estado vibracional: a pessoa desperta no meio do sono e sente uma série de vibrações (descargas energéticas) propagando-se pelo seu corpo. Parece que ela tem uma tempestade elétrica percorrendo seu corpo, às vezes acompanhada de fortes zumbidos dentro da cabeça. Isso ocorre porque o corpo espiritual acelera suas vibrações para escapar das lentas vibrações do corpo denso. Se a pessoa ficar quieta e deixar a sensação continuar, ela se projetará em instantes.

Há outras sensações decorrentes da soltura do corpo espiritual em relação ao físico, mas estas são as mais comuns.

5. Quais são as vantagens para um projetor consciente?
– As vantagens dessa experiência consciente são inúmeras:
– A pessoa comprova por ela mesma de que ela não é somente o corpo físico. Sabe, portanto, que pode viver independentemente do corpo carnal. Sabe que é uma consciência espiritual e seu corpo é a vestimenta carnal transitória.
– Pode encontrar-se fora do corpo com as pessoas amadas que já desencarnaram e manter um contato espiritual com elas.
– Pode ajudar pessoas mediante a aplicação de energia consciencial fora do corpo (de forma semelhante a um passe extrafísico).
– Pode encontrar-se com seres espirituais evoluídos que lhe ensinarão preciosas lições de maturidade e evolução.
– Literalmente, a pessoa perde o medo da morte, pois se vendo fora do corpo denso e encontrando-se com seres extrafísicos, ela descobre que a morte não aniquila a consciência de ninguém, apenas as muda para as dimensões extrafísicas.
– No mínimo, é uma maneira de aproveitar as horas de sono para evoluir. E sem gastar energia do corpo, pois o mesmo está adormecido e se recuperando pelo sono.
– Resumindo: Enquanto a consciência se manifesta nos planos extrafísicos, o corpo descansa. Quando ela volta ao corpo pode ou não se lembrar dos fatos vivenciados. É que o cérebro pode apagar a lembrança dessas vivências extracorpóreas e misturar por cima um monte de sonhos. Quando a pessoa desperta fisicamente, se lembra apenas de uma mistura de imagens incoerentes. No entanto, tudo aquilo que ela aprendeu fora do corpo fica registrado em seu subconsciente e surge no momento oportuno como inspiração nos momentos de vigília mesmo. Nada se perde dentro da alma!
A essa altura do campeonato, bem explicado o que é uma viagem astral, vamos ver algumas músicas que falam deste tema diretamente.

VIAJANTE ASTRAL (Astral Traveller)

E em algum lugar, envolto no aerostato,
um homem, em pé, dirigia seu olhar para os céus,
na tentativa de imaginar com toda a pretensão quando
faria aquilo novamente.
Dar um outro mergulho para dentro do céu.
O viajante astral, partindo e imaginando
onde o brilho vai libertar a carga do corpo.
E uma vez no ar, as pessoas que desafiaria.
Ganhar grande respeito pela existência,
vôo celestial, noite inesquecível
E poder acreditar que todas as coisas vistas
valem a pena serem vistas.
E o viajante astral, partindo e tentando
imaginar para onde as luzes vão,
e libertar a carga que o seu corpo carrega.

– Jon Anderson –
( CD “Time and A Word”; 1970)

A influência da espiritualidade nos temas do Yes é bastante nítida. Jon Anderson, uma das vozes mais belas da música, sempre deixou bem evidente suas inclinações místicas. Isso é facilmente constatado em seus álbuns solo (principalmente em “Song of Seven” – 1980). Em “Tales From Topographic Oceans” – 1974 – (comentado extensamente no último número de “Metamúsica”) essa influência está bem estabelecida nos conceitos desse verdadeiro épico sonoro do Yes.

Nessa música, “Astral Traveller”, Jon refere-se diretamente a um viajante astral que deixa a carga do corpo e voa pelo espaço. Ou seja, ele demonstra conhecer o assunto e evocou o clima espiritual disso nesta canção. Como esse disco do Yes é de 1970 e o grupo ainda não tinha encontrado o melhor caminho de seu som – coisa que só aconteceria definitivamente a partir dos dois discos seguintes da banda (“The Yes Album” – 1971 – e “Fragile” – 1972 -) e por causa da entrada de Steve Howe e Rick Wakeman – muitos fãs desconhecem essa música. Diga-se de passagem, a música “Time and World” (título do disco) é um dos clássicos da banda até hoje. No Cd “Keys To Ascension II” – 1997 – há uma bela releitura dessa música ao vivo, sem dúvida muito mais bonita e encorpada pela participação de Steve Howe e Rick Wakeman nela. No “Yesshows” (disco ao vivo lançado em 1980 contendo gravações de shows entre o período de 1976-1979) também há uma excelente performance dela.

* * *

Quando o Pink Floyd (talvez a banda inglesa de progressivo mais conhecida do grande público) retornou a música em 1987, depois de uma parada de três anos e sem o Roger Waters, com o disco “A Momentary Lapse of Reason”, uma das músicas que chamou a atenção foi justamente a segunda do disco: “Learning To Fly”.

Nesta, há claros simbolismos de que sua letra refere-se as viagens fora do corpo. Eles não estão tão evidenciados como na letra anterior do Yes. Por isso, não é fácil detectá-los à primeira vista. Mas, com algum conhecimento do assunto e dando uma olhada com a atenção devida, nota-se claramente, até mesmo pelo seu título, a metáfora inserida nas linhas da canção. Inclusive, em alguns aspectos, ela parece demais com a letra da “Astral Traveller”.

À primeira vista, parece a descrição do vôo de uma águia. Mas, a expressão “alma” não deixa dúvidas quanto a real intenção da letra. Num contexto mais esotérico e xamânico, a águia é o símbolo do viajante astral, pois é um animal que vôa, mas ainda está preso a necessidade voltar ao ninho terrestre.

APRENDENDO A VOAR (Learning to Fly)

Dentro da distância, uma faixa de preto esticada até o ponto que não tem
mais volta
Um vôo de fantasia sobre um campo varrido pelo vento
Em pé sozinho, minhas percepções vacilantes
Uma atração fatal me segurando, como
Posso me libertar desse aperto irresistível?
Não consigo tirar meus olhos do céu girando
Com a língua presa e retorcido como um desajeitado preso à terra, Eu
O gelo está se formando nas pontas de minhas asas
Aconselhamentos desnecessários, eu pensei que pensara em tudo
Nenhum navegador para guiar meu caminho para casa
Sem bagagem, vazio e transformado em pedra
Uma alma tensionada que está aprendendo a voar
Condicionada à Terra, mas decidida a tentar
Não consigo tirar meus olhos dos céus girando
Com a língua presa e retorcido como um desajeitado preso à Terra, Eu
Acima do Planeta, sobre uma asa e uma oração,
Minha aura imunda, uma trilha de vapor no ar vazio
Por entre as nuvens vejo minha sombra voar
Pelo canto do meu olho lacrimejante
Um sonho não ameaçado pela luz da manhã
Poderia assoprar esta alma diretamente através do teto da noite
Não há sensação que se compare a isso
Animação suspensa, um estado de graça
Não consigo desviar minha mente do céu girando,
Com a língua presa e retorcido como um desajeitado preso à Terra, Eu.

– David Gilmour, A . Moore , Bob Erzin and J. Carin –
(Cd. “A Momentary Lapse of Reason; 1987).

* * *

Para entendermos o espírito da próxima canção – na verdade, apenas um trecho dela, pois é muito extensa para o espaço que dispomos aqui, novamente é necessária uma pequena explicação técnica sobre o assunto.

Quando ocorre uma projeção do corpo espiritual para fora do corpo físico, há uma ligação energética que conecta os dois corpos durante a experiência. Essa ligação é conhecida esotericamente com o nome de cordão de prata. Trata-se de um apêndice energético, da mesma forma que o cordão umbilical é um apêndice que une o feto ao corpo da mãe, que é o elo de ligação vibracional entre o espírito, temporariamente projetado, e seu corpo adormecido. Esse cordão de prata (nome simbólico, evidentemente) projeta-se como pequenos tentáculos energéticos de toda extensão do corpo físico, com notada proeminência no plexo solar, coração e cabeça, e conecta-se exatamente na parte posterior da cabeça extrafísica.

A ruptura dessa conexão energética causaria a morte do corpo, pois, dessa maneira, o fluxo energético não passaria do espírito para o corpo. Em conseqüência, o corpo morreria por falta de vitalidade, ou melhor, por falta da centelha vital que reside no espiritual. Isso é impossível de ocorrer durante uma viagem astral, muito embora existam muitas lendas antigas falando disso e muitas pessoas sem o devido conhecimento falando de supostos perigos inerentes a essa atividade astral. Na verdade, o cordão de prata não é uma corda e muito menos de prata. É um fluxo energético ativo e dinâmico, verdadeira corrente vibracional que a natureza providenciou para prender a consciência espiritual no corpo denso. Só rompe-se, ou melhor dizendo, dilui sua força, no momento da morte, quando há algum fator desencadeante da parada cárdio-respiratória (acidente, velhice, doença, em suma, o momento derradeiro daquela pessoa no mundo transitório).

Resumindo: na hora da morte do corpo, rompe-se o cordão de prata e o espírito é liberado para seguir rumo aos planos espirituais.

Como se observa por essa pequena explicação, só alguém ligado ao estudo desses temas é que poderia dar-se ao luxo de introduzir tal conceito em uma música. Pois é isso exatamente que a banda inglesa Jethro Tull fez em 1973, num dos seus trabalhos mais incompreendidos por seus fãs (parece até a história dos fãs do Yes e o “Tales From Topographic Oceans”). Trata-se da música “A Passion Play” (“Um Jogo de Paixão”), tema principal do disco homônimo. Nessa longa canção (uma suíte de 46:11 minutos, subdividida na época no disco de vinil em dois lados – 23:07 minutos no lado A e 22:04 minutos no lado B) Ian Anderson, autor da mesma, líder da banda, vocalista e flautista (sua flauta e voz inconfundível são dos registros mais conhecidos do progressivo), elaborou um tema denso, enigmático e soturno sobre a questão da morte e das escolhas humanas. Como a banda vinha de dois grandes sucessos, “Aqualung” – 1971 – e “A Thick As A Brick” – 1972 – ainda hoje classificados como temas clássicos no gênero, muitos dos fãs esperavam um som semelhante. Porém, tal não aconteceu. Tanto a crítica como o público foram implacáveis na ocasião. Isso até motivou uma certa antipatia da banda em relação a imprensa e gerou uma parada temporária nos shows, já que as pessoas não estavam captando o conceito principal da obra apresentada.

Para se ter uma idéia disso, basta ver as primeiras linhas da canção:

A PASSION PLAY (Um Jogo de Paixão)

“Você ainda me vê mesmo aqui?
(O cordão de prata está caído no chão).
´E então, estou morto´, o poeta disse… além das colinas (nenhum desejo).
Meus amigos (como se fossem um) todos em pé alinhados,
embora seus táxis tenham chegado muito tarde…”

– Ian Anderson –
(Cd. “A Passion Play” – 1973).

Fico pensando se o brilhante e inquieto Ian Anderson, cheio do espírito trovador de outrora, leu a Bíblia e tirou esse texto do pregador do Eclesiastes, pois trata-se exatamente da descrição do momento final de alguém e a ruptura do cordão de prata (“caído no chão”). Isso está em “Eclesiastes”, cap. 12; vers. 6:

“Antes que se rompa a corda de prata, e se despedace o copo de ouro, e se quebre o cântaro junto a fonte, e se desfaça a roda junto ao poço, e o pó volte a terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu, vaidade de vaidade, diz o pregador, tudo é vaidade.”

Para um maior aprofundamento nessa parte, basta ler o capítulo inteiro do Eclesiastes.

Obs: em algumas traduções da Bíblia substitui-se o termo “Corda” por “fio de prata”.

* * *

Em alguns trabalhos, há canções inspiradas em lembranças de vidas passadas (chamadas tecnicamente de retrocognições, popularmente conhecidas como regressões de memória a vidas passadas) associadas a visões e viagens durante o sono. Esse é justamente o caso da banda americana de rock progressivo “Kansas”, que teve o seu auge entre os anos de 1974-1978, época em que gravou discos memoráveis (“Kansas”-1974; “Song For America” – 1975; “Leftoverture” – 1977; “Point of Know Return” – 1978). Posteriormente, durante a década de 1980, o Kansas derivou o seu som mais para o pop americano e perdeu muito em qualidade. Exceção feita aos trabalhos em que participa o magnífico guitarrista Steve Morse (atualmente nas fileiras do Deep Purple). Inclusive, para quem gosta muito do som da banda, há um ótimo cd gravado junto com a “The London Symphony Orchestra”, em que os membros originais fazem uma excelente releitura de seus melhores trabalhos da época áurea. Esse trabalho chama-se “Always Never The Same” – 1998.

Informação adicional: no momento em que escrevo essas linhas, julho de 2000, o Kansas está em turnê pelos EUA junto com o Yes, fazendo a abertura dos shows da banda inglesa.

Voltando ao tema de nossa matéria aqui, vamos ver a música “Apercu”, do disco homônimo, de 1974. Trata-se de visões com seres espirituais em outros planos e lembranças de vidas passadas durante o sono. Além disso, é uma bela composição.

APERCU

A névoa do tempo ainda está encobrindo
A visão que eu procuro
Aqueles que morreram prestam testemunho
Se eles pelo menos pudessem falar

REFRÃO:

Porém eu vi tudo de dentro de mim, por um momento
Você estava comigo?
Será que nós já passamos por tudo antes?
Existe realmente muito mais?
De vez em quando, a nós todos é dado
Um vislumbre de dias passados
Eu daria tudo para ver claramente
Não coberto pela névoa

REFRÃO

Cada homem tem uma memória
Muito mais do que o olho pode ver
Ainda assim outras sobrevivem no fundo de você próprio
Pensamentos obsessivos de dor e prazer dividem-no
Olhe além de seus olhos
Para os céus negros e melancólicos
Porque eles estão no seu caminho
E eu sinto a luz do dia
Agora a Terra revela seus segredos
Contidos na montanha, mar e planície
Eles nunca foram esquecidos
Apenas trancados dentro do meu cérebro
Enquanto dormia eu tive a visão
Eu me lembro, você estava comigo
Nós já passamos por tudo isso antes
Nas nossas mentes por trás da porta

– Kansas –
(Cd. “Apercu” – 1974).

* * *

Saindo um pouco da esfera do rock progressivo (há composições muito interessantes do grupo alemão “Eloy” e do multitecladista e guitarrista austríaco “Gandalf”, só para citar alguns que ficaram de fora nessa matéria), justamente para mostrar a abrangência desses temas espirituais no rock em geral, vamos ver algumas composições de bandas um pouco mais pesadas no som, mas com letras contendo conteúdos muito interessantes.

LUCIDEZ SILENCIOSA (Silence Lucidity)

Quieto agora, não chore,
Enxugue esta lágrima de seus olhos
Você está seguro, deitado em sua cama
Foi tudo um sonho ruim girando em sua cabeça
Sua mente o enganou para você sentir a dor
De alguém próximo a você deixando o jogo
Da vida
Então aqui está outra chance
Bem acordado você encara o dia
O sonho terminou
Ou somente começou

Existe um lugar no qual eu gosto de me esconder
Um portal que atravesso durante a noite
Relaxe criança, você esteve lá
Mas apenas não percebeu, e você estava assustada
É o lugar onde aprenderá
A encarar seus medos, repassar os anos
E tomar as “rédeas” de sua mente
Comandando em um outro mundo
De repente você ouve e vê
Esta nova dimensão mágica

REFRÃO:

Eu, eu estarei cuidando de você
Eu, eu o ajudarei a perceber as coisas
Eu, eu o protegerei durante a noite
Eu, eu estou sorrindo do seu lado
Numa lucidez silenciosa

Se abrir sua mente para mim,
Você não dependerá de olhos abertos para enxergar
As paredes que construiu em seu interior
Vem abaixo, um novo mundo começará
Vivendo duas vidas de uma vez só, você aprende
Está livre da dor do domínio do sonho
Uma alma livre para voar
Uma viagem da ida e volta na sua cabeça
Mestre da ilusão, você percebe que
O seu sonho está vivo, você pode guiá-lo, mas…

REFRÃO

– Qüeensryche –
(Cd. “Empire” – 1990).

Essa música do “Qüeensryche” expõe claramente uma conversa sutil entre alguém e um ser espiritual, protetor invisível da pessoa em questão. Fala de viagens a outras dimensões durante o sono, atravessar portais interdimensionais e descortinar novos horizontes. Ou seja: “Uma alma livre para voar, uma viagem de ida e volta na sua cabeça!”

Diga-se de passagem, essa é uma bela música, uma balada digna de figurar entre as melhores baladas do progressivo. Contudo, o resto do disco é bem pesadão mesmo, bem hard!

* * *

O CÉU PODE ESPERAR

Não consigo entender o que está acontecendo comigo
Isto não é real, isto é só um sonho
Mas eu nunca me senti, não eu nunca me senti assim antes

Estou olhando para o meu corpo, abaixo de mim
Estou deitado, adormecido no meio de um sonho
Será que é agora que o Anjo da Morte terá vindo para mim?

Não posso acreditar que minha hora chegou de verdade
Não me sinto pronto, há tanto que ficou pra ser feito
E é a minha alma e eu não a deixarei ir embora

REFRÃO:

O céu pode esperar
O céu pode esperar até um outro dia

Tenho um desejo ardente pela terra lá embaixo
E o próprio inferno é meu inimigo
Porque não tenho nenhum medo de morrer
Irei quando estiver bem e pronto
Tenho um vislumbre das luzes, raios eternos
Vejo um túnel, fico maravilhado
Com todas aquelas pessoas ali, na minha frente

Para os caminhos do que é correto eu serei levado
É esse o lugar onde os vivos se juntam aos mortos
Eu gostaria que isso fosse só um pesadelo

REFRÃO

Pegue a minha mão, eu o levarei para a terra prometida
Pegue a minha mão, eu o farei imortal
Juventude eterna, eu o levarei para o outro lado
Para ver a verdade, a sua trilha está decidida

Meu corpo formiga, eu me sinto tão estranho
Tão cansado, tão esgotado
E eu estou imaginando se jamais serei o mesmo de novo

Isto é o limbo, o céu ou o inferno
Talvez eu vá para lá embaixo mesmo,
Não posso aceitar que minha alma vagará para sempre

Eu me sinto flutuando de volta à terra
Então seria essa a hora do meu renascimento
Terei eu morrido ou acordado de um sonho?

– Iron Maiden –
(Cd. “Somewhere in Time”; 1986).

Quem diria, hein? A “Dama de Ferro”, uma das bandas hard mais apreciadas pelos fãs do gênero falando de temas etéreos em suas composições. O autor da letra conhece bem o assunto, talvez até por experimentar viagens fora do corpo na prática, pelo que tudo indica. Aliás, isso fica mais evidenciado ainda em outra música da banda, traduzida logo abaixo.

SONHOS INFINITOS (Infinite Dreams)

Sonhos infinitos, não posso negá-los
O infinito é difícil de compreender
Eu não poderia ouvir tais gritos mesmo
Nos meus sonhos mais selvagens

Acordo sufocado e suado
Com medo de cair no sono de novo
No caso de o sonho recomeçar
Alguém me persegue, não posso me mover
Permanecendo rígido, uma estátua de pesadelo
Que sonho! Quando irá acabar?
E, será que eu transcenderei?

Inquieto sono, a mente em desordem
Um pesadelo acaba e outro continua
Chegando a mim, muito assustado para dormir
Mas com medo de despertar agora em estado profundo

Embora alcance novas alturas
Eu preferia as noites inquietas
Isso me faz imaginar, me faz pensar
Há mais que isso, estou na beira
Não é o medo do que há além
É só o que eu não deveria responder

Eu tenho um interesse quase ardente
Mas gostaria eu de chegar tão longe?

Tudo não pode ser coincidência
Muitas coisas são evidentes
Você me diz que você é um descrente
Espiritualista? Bem, também não sou
Mas você não gostaria de saber a verdade
De o que há lá fora para obter a prova
E descobrir apenas em que lado você está
Onde você irá acabar, no céu ou no
inferno?
Socorra-me, socorra-me para que ache minha verdade
Sem estar vendo o futuro
Salve-me, salve-me da minha
Tortura mesmo com meus sonhos

Há que existir mais alguma coisa que isso
Ou diga-me porque existimos
Eu gostaria de pensar que quando eu morrer
Terei uma chance, outra oportunidade
E retornar, viver de novo
Reencarnar, jogar o jogo
Novamente…

– Steve Harris e Iron Maiden –
(Cd. “Seventh Son of a Seventh Son”; 1988).

Esta música descreve exatamente aquela sensação de paralisia durante o sono (“não posso me mover, permanecendo rígido, uma estátua de pesadelo…”) mencionada na introdução desse artigo. Assim como o autor da letra, muitas pessoas que passam por essas sensações logo classificam-nas como pesadelos. No entanto, o autor da letra sabe que poderá transcender, ou seja, ir para fora do corpo (“Que sonho! Quando irá acabar? E, será que eu transcenderei?”) Mais a frente, ele diz: “Embora alcance novas alturas…”

Pois é, aí está a poderosa “Dama de Ferro” inglesa viajando por sonhos infinitos.

Detalhe adicional: nesse mesmo disco há uma música chamada “The Clairvoyant” (“A Clarividência”).

* * *

Ampliando um pouco mais o leque de informações sobre esse tema da espiritualidade na música, vamos ver o que dizem a respeito algumas personalidades da música pop e brasileira.

Certa vez, George Harrison, ex-Beatle, declarou numa entrevista (reproduzida no Brasil pela revista “Pop”; Número 78; abril de 1978) que havia experimentado uma saída do corpo e que isso havia sido um dos fatores fundamentais para sua busca espiritual. Dos quatro Beatles, George foi o que realmente aprofundou-se no lado espiritual. Viajou muito para a Índia e estudou música clássica indiana. Foi lá que ele encantou-se com o som da cítara (desde o disco “Revolver”; 1966 – verdadeiro embrião do progressivo, ele já viajava na cítara). Eis aqui suas palavras num trecho da entrevista onde o repórter perguntou-lhe como é que ele havia iniciado sua busca espiritual (página 45):

“…Depois da experiência de deixar meu próprio corpo, de ver meu ego, passei a procurar alguma coisa mais real. Então me liguei em música clássica indiana, fui a Índia, passei algum tempo com Maharishi Mahesh Yogi, em Bangor, para me encontrar.”

* * *

Eis aqui um trecho de uma entrevista do baterista Paulo Zinner (tocou com Rita Lee, Golpe de Estado, Fickle Pickle) concedida a edição brasileira da revista “Modern Drummer”, de julho de 1996:

MD: Como você se define como baterista?

PZ: “Esta pergunta é muito difícil. Bom, gosto de passar a minha verdade, sou perfeccionista, gosto de swingar, toco com muito sentimento, gosto de curtir a música, gosto de estar no palco, viver aquele momento tanto no estúdio como ao vivo. Uso o instrumento para passar minha energia, o que estou sentindo na hora, tento passar algo mais. Na verdade, há vezes que eu vou para outro plano espiritual e de cima me vejo tocando, vejo a banda. É uma sensação de plenitude total, é muito louco!”

* * *

Trecho de uma entrevista concedida por Milton Nascimento a revista (falta colocar o nome e referência do número da revista):

“Já fiz uma viagem astral. Eu me vi saindo de mim e sentindo um grande bem-estar, grande mesmo. Fui para um lugar que não sei onde é: uma cidade pequena, muito cheia de verde e de vida. Conversei com uma porção de pessoas. Num determinado momento, alguém me perguntou se eu queria ficar ou voltar – eu disse que queria voltar. Voltei instantaneamente. Só depois fui entender: talvez, se eu dissesse que queria ficar, já não estivesse mais aqui… Não fiquei com medo, não. Várias vezes tentei forçar a situação de novo, nunca mais aconteceu, quem sabe no futuro.”

* * *

Trecho da entrevista do guitarrista Steve Vai à revista americana “Guitar Player”, em maio de 1990:

“Você nos contou sobre um álbum solo na edição de out/86. É ´Passion and Warfare´ o álbum que você visualizou então?

Eu o visualizei 15 anos atrás. Veja, quando eu era mais jovem, eu estudei sobre o sono e os sonhos. Eu tenho diários de sonhos do tempo em que eu tinha 12 anos, e eu ainda tenho a minha própria linguagem de escrever de modo que ninguém consegue lê-los, porque algumas coisas são tão pessoais que você não quer nem anotá-las. Eu experimentei gravando fitas e ouvindo-as durante o sono. Eventos começaram a acontecer em meu estado de sonho, e o termo que eu encontrei que melhor descreve estes eventos é ´projeções astrais´. Eles eram incrivelmente vivos, e eu costumava tomar nota de tudo o que ocorria. Isso foi mais ou menos na época em que eu comecei a tocar guitarra. Uma noite, eu tinha 14 ou 15 anos, tive um sonho que era muito vivo para ser um sonho, muito claro. Os eventos que ocorreram, o estado mental em que eu estava, e as coisas que eu senti estão refletidas em meu álbum.

Eu tenho escrito muitas músicas acordando no meio da noite e realmente ouvindo melodias reverberando, e muitas músicas do álbum vieram a mim deste modo. Por exemplo, a seção sonho de ´Erotic Nightmares´, onde entram todos os efeitos sonoros, foi baseada num sonho incrivelmente vivo. Eu vi a mim mesmo tocando guitarra, mas eu a segurava de modo que eu fazia sons totalmente absurdos. Eu tocava ela de um jeito e ela fazia um barulho, ou um grito. Não havia barreiras – até meus movimentos eram pra lá de graciosos.

A flauta, em particular – você sabe, o ´bweep-bweep´ – realmente me pegou. No meu sonho eu peguei a guitarra, virei ela, e ela tinha esses buracos (como na flauta). Eu estava com a mão na alavanca por debaixo, e estava soprando em um daqueles buracos, dedilhando como uma flauta. Entre eu assoprar a guitarra, mover a alavanca e o amplificador, dando o ´feed-back´ nos captadores, isto criou aquele som, e o som na gravação é basicamente aquele que eu toquei no sonho. Aquele evento foi quando eu comecei a perceber que eu tinha uma identidade com o instrumento, e foi o fato mais importante da minha carreira musical. Eu experimentei sensações que eu nunca senti neste plano, embora eu tenha tentado. É de onde eu tiro a maior parte da minha musicalidade, eu creio, ou pelo menos é assim que eu descobri.”

* * *

O tema dessa matéria é muito vasto e não cabe no espaço de uma só edição de “Metamúsica”. Por isso, na edição seguinte continuaremos o assunto, mas de uma maneira um pouco mais intimista, onde descreverei como tive várias viagens para fora do corpo enquanto ouvia Rick Wakeman, Yes, Tangerine Dream , Pink Floyd e outros. Na época, década de 1970, ainda não haviam os trabalhos new age apropriados para relaxamento e muito menos matérias esclarecedoras como essa que o nosso editor disponibiliza pelas páginas do nosso querido “Metamúsica”. Sei de muitos outros casos de pessoas que viajaram espiritualmente ao som do progressivo e sei que muitos leitores irão reconhecer certas sensações que já lhes ocorreram antes.

Nesse aspecto, o “Metamúsica” está um passo a frente dos outros tablóides e revistas do gênero no mundo, pois está possibilitando aos leitores não somente matérias técnicas sobre música, mas, também, artigos que elevem a consciência dos leitores para patamares mais amplos. Ou seja: junto com os artigos e análises dos melhores trabalhos do progressivo e da música em geral, vai junto um pouco de luz e alma direto no coração! Essa mesma luz que deu vida a muitas pérolas de inspiração que embalaram nossos sonhos e viagens em forma de músicas incríveis que até hoje nos encantam. Essa mesma luz que mora em nossos corações! Essa mesma luz que nos faz viver, sorrir, amar e seguir…

Concluo esta primeira parte da matéria com um trecho inspirado de Jon Anderson na música “Wonderous Stories” (Yes; Cd. “Going For The One”; 1977):

“Enquanto ele falava, meu espírito subia ao céu
Eu tive que retornar
Para ouvir suas maravilhosas estórias
Retorno para ouvir suas estórias maravilhosas
Retorno para ouvir suas estórias maravilhosas
LA AHLA AH AHAH…”

Paz e Luz a todos os leitores de “Metamúsica”.

PS: Agradeço aos amigos Renato Stella, Sheyla May e Nair Cortijos pela ajuda e correção em algumas das traduções das letras.

– Wagner D. Borges -*
São Paulo; Inverno de 2000.

* Wagner D. Borges é um carioca de 39 anos que mora em São Paulo há dez anos. É pesquisador, conferencista, autor de cinco livros sobre temas espirituais e viagens astrais, instrutor de cursos de Projeciologia, Bioenergia, Taoísmo, Hinduísmo, Ocultismo e Espiritualismo em geral. É produtor e apresentador dos programas “Viagem Espiritual” (sobre temas espirituais), “Viagem Musical” (new age) e “Viagem Progressiva” (rock progressivo) na Rádio Mundial de São Paulo – 95,7 FM.

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