O MITO DO UM POUCO AUTISTA E A REALIDADE DO TEA

O MITO DO “UM POUCO AUTISTA” E A REALIDADE DO TEA

Introdução

Com a crescente conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), expressões como “um pouco autista” ou “levemente autista” começaram a surgir em conversas cotidianas, muitas vezes usadas de forma errônea para descrever pessoas que apresentam algumas características associadas ao autismo, mas que não se enquadram em um diagnóstico formal. No entanto, essas expressões não só são imprecisas, como também prejudicam a compreensão correta e o tratamento adequado do autismo. Este artigo explora por que esses termos são inadequados e como o conhecimento sobre o autismo, mesmo entre profissionais de saúde, ainda está em desenvolvimento.

O que é o Transtorno do Espectro Autista?

O Transtorno do Espectro Autista é uma condição neurodesenvolvimental que afeta a comunicação, a interação social e o comportamento de uma pessoa. O termo “espectro” reflete a ampla variação nas habilidades e desafios que as pessoas autistas podem enfrentar. Embora cada indivíduo com autismo seja único, existem alguns aspectos comuns que caracterizam o TEA, como dificuldades em entender e usar a linguagem corporal e verbal, comportamentos repetitivos e interesses restritos.

A Diversidade Dentro do Espectro

O autismo é uma condição altamente heterogênea. Algumas pessoas podem necessitar de suporte intensivo para lidar com as demandas da vida cotidiana, enquanto outras podem ser altamente funcionais e viver de forma independente. Contudo, essa variação não significa que alguém pode ser “um pouco autista”. O TEA é uma condição de desenvolvimento neurológico e não uma gradação linear onde se pode ser “mais” ou “menos” autista.

Desconstruindo os Termos “Um Pouco Autista” e “Levemente Autista”

1. Autismo Não É Uma Condição Graduada

A expressão “um pouco autista” sugere erroneamente que o autismo pode ser medido em graus menores ou maiores, o que é um equívoco. O diagnóstico de TEA é baseado em critérios específicos definidos no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição) e abrange uma ampla gama de características, mas não é determinado por “intensidade” ou “grau”.

Cada indivíduo no espectro autista tem um conjunto único de habilidades e desafios. Por exemplo, uma pessoa pode ser altamente verbal e capaz de funcionar bem em algumas áreas da vida, mas ainda assim ter sérias dificuldades em outras áreas, como socialização ou regulação emocional. Isso não significa que essa pessoa é “menos autista” — significa apenas que sua manifestação do autismo é diferente.

2. Impacto Negativo do Uso de Termos Incorretos

Usar termos como “um pouco autista” minimiza os desafios reais enfrentados por pessoas com TEA. Isso pode levar a uma subestimação das necessidades de apoio e à falta de compreensão sobre a complexidade do espectro autista. Também perpetua a ideia de que o autismo é algo que pode ser leve ou insignificante, o que é prejudicial tanto para indivíduos diagnosticados quanto para suas famílias.

A Importância do Diagnóstico Adequado e do Conhecimento Profissional

1. Falta de Conhecimento entre Profissionais de Saúde

Embora o conhecimento sobre o autismo tenha aumentado significativamente nas últimas décadas, ainda existe uma lacuna considerável na formação de muitos profissionais de saúde, incluindo médicos e psicólogos. Muitos desses profissionais podem ter recebido pouca ou nenhuma educação sobre TEA durante sua formação, levando a diagnósticos tardios, incorretos ou até a ausência de diagnóstico.

2. O Autismo Ainda Está Sendo Estudado e Compreendido

O autismo é uma área de estudo relativamente nova em termos de pesquisa médica e psicológica. Somente nas últimas décadas é que o espectro autista começou a ser mais compreendido, e mesmo assim, ainda há muito que não sabemos. A pesquisa continua a evoluir, e novas descobertas estão sendo feitas regularmente, o que significa que o entendimento do TEA está em constante expansão.

3. A Necessidade de Atualização e Educação Contínua

Para lidar adequadamente com o TEA, é essencial que os profissionais de saúde se mantenham atualizados com as pesquisas mais recentes e as melhores práticas de diagnóstico e tratamento. Isso inclui a educação contínua sobre as diversas manifestações do autismo, bem como a conscientização sobre os impactos sociais e emocionais dessa condição.

Mudando a Percepção Pública

1. Promovendo a Conscientização e a Educação

A melhor maneira de combater o uso inadequado de termos como “um pouco autista” é através da educação e conscientização pública. As pessoas precisam entender que o autismo é uma condição complexa e que a linguagem que usamos para descrevê-lo importa. Informar o público sobre o que realmente significa estar no espectro autista pode ajudar a reduzir estigmas e aumentar a compreensão e a aceitação.

2. Apoio a Famílias e Indivíduos Autistas

É crucial que indivíduos autistas e suas famílias tenham acesso a informações precisas e ao suporte necessário. Isso inclui apoio psicológico, educacional e, quando necessário, intervenções médicas adequadas. Quando o autismo é compreendido corretamente, as pessoas podem receber o suporte certo para alcançar seu potencial máximo.

Conclusão

A ideia de que alguém pode ser “um pouco autista” ou “levemente autista” é uma simplificação inadequada e incorreta do que realmente significa estar no espectro autista. O autismo é uma condição complexa, com manifestações variadas, mas não pode ser medido em graus de intensidade simples. É essencial que o público e os profissionais de saúde compreendam essa realidade, para que possamos oferecer o suporte adequado e combater os preconceitos que ainda cercam o TEA.

Referências

1. American Psychiatric Association. – Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5). 5ª edição. Arlington, VA: American Psychiatric Publishing, 2013.

2. National Autistic Society – “Understanding Autism: Dispelling the Myths.” Disponível em: [https://www.autism.org.uk/advice-and-guidance/topics/what-is-autism](https://www.autism.org.uk/advice-and-guidance/topics/what-is-autism)

3. World Health Organization (WHO) – “Autism Spectrum Disorders.” Disponível em: [https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/autism-spectrum-disorders](https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/autism-spectrum-disorders)

4. Pellicano, Elizabeth, and David Burr. – “When the World Becomes ‘Too Real’: A Bayesian Explanation of Autistic Perception.” Trends in Cognitive Sciences, vol. 16, no. 10, 2012, pp. 504-510. Disponível em: [https://www.cell.com/trends/cognitive-sciences/fulltext/S1364-6613(12)00179-4](https://www.cell.com/trends/cognitive-sciences/fulltext/S1364-6613(12)00179-4)

Essas referências fornecem uma base sólida para entender o autismo de forma mais precisa e combater os estereótipos e mal-entendidos que ainda prevalecem na sociedade.

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