CLARIVIDÊNCIA-E-COMPAIXÃO-NOS-ANIMAIS

CLARIVIDÊNCIA E COMPAIXÃO NOS ANIMAIS

Uma pequena história de vida de Dalton Campos Roque.

Eu havia me formado em Engenharia Civil recentemente no sul de MG no início de 1987 e logo me mudei para São Sebastião – SP, em frente a Ilha Bela, para trabalhar. Consegui um emprego numa empreiteira simples que prestava serviços a Petrobrás.

Muito verde e imaturo, fugindo de um lar com um pai bom, mas muito desequilibrado e com diversas psicopatologias, também fugia da vida, fugia de mim mesmo. Estava de alma vazia, sem propósito e sem destino. Havia algo mais lá dentro escondido esperando o momento, uma predisposição para eclodir quando destrancasse a porta do coração que só se possui “chave” e “maçaneta” pelo lado de dentro.

Inseguro, procurava por segurança, um afeto e confiança que nunca reconheci identifiquei no lar, embora existisse (uma observação é que talvez tenha tido, mas minha ignorância não percebeu). Na época eu não reconhecia ou era lúcido disso.

Tinha vocação para fazerem as coisas darem errado, assim as coisas não vingavam e eu não achava meu lugar ao sol no mundo social. Eu até tinha meus bons amigos e me dava bem com as pessoas, mas não era suficiente, faltava algo.

Minha alma gritava, mas meus ouvidos não escutavam por uma série de fatores, onde creio que o maior era o medo, inclusive o medo de enfrentar os percalços já programados para meu duro e lento aprendizado existencial, entenda-se meu próprio ego. Creio que no fundo eu sabia de tudo.

Não vou me isentar de minhas responsabilidades e de assumir minhas imaturidades e assim não posso jogar toda carga de culpa em meu lar desestruturado do qual tenho minha irmã Denise como testemunha (2014). Sinto que já reencarnei com medo, com muita insegurança. Não me lembro no momento e não sei explicar por que ainda, mas não importa.

Mas após ter me mudado recém-formado para São Sebastião, fui trabalhando e levando a vida como qualquer outro. Fui me frustrando em cada emprego e saltando de galho a outro. Claro que as coisas se misturaram, as questões profissionais, técnicas, emocionais, as imaturidades confessadas, hoje tenho maturidade e lucidez suficientes para assumir, separar e discernir sem precisar sempre colocar a culpa nos outros.

O que era ressentimento acusatório imaturo de outrora, hoje é uma autoanálise serena até com certo sorriso amarelo mea culpa envergonhado. Aprender é enfrentar a própria dor, o próprio desconforto de sentir a vergonha e os egos ralados bem de frente.

É quando seu ego te envergonha, se você assume e tem vontade de mudar sem medo de sentir a alma cortada, que você evolui consciencialmente. Quem está muito confortável, muito centrado não está evoluindo, está estacionado no acostamento evolutivo. E não adianta muita coisa livros, cursos, técnicas e grupos sofisticados que com arrogância e orgulho não se evolui, é preciso parar de ser “pregador”, de ser “portador da verdade”, de querer denegrir e humilhar as pessoas, sobre o ponto de vista da diferença de conhecimento intelectual vazio, cheio de retórica inócua das auto corrupções anestesiantes.

Se você não introjeta a prática do conhecimento no coração de seu foro íntimo, você não passa de casca vazia bem embalada e rotulada, com roupa bonita, perfume caro, título, talvez um crachá chique de Dr. alguma coisa.

Alguns dizem que evoluir em grupo agiliza a evolução, mas isto é relativo, potencializa os egos e isto pode estacionar ou desviar a evolução também. As consciências evoluídas trabalham mais dentro de si, mais sozinhas – interprete isto como quiser – as retóricas e falácias podem se desdobrar as argumentações ao infinito.

Então me vi desempregado, vivendo de bicos, fazendo uns projetos e desenhos simples de engenharia. Acabei dividindo meu apartamento com um colega argentino com quem desenvolvi grande amizade que também depois tomou seu rumo. Morava num apartamento térreo muito simples com uma mobília mais simples ainda o que não importava muito, pois a tristeza e a solidão eram enormes.

Enfim, não via perspectiva, não havia sequer um destino. Eu era o vazio vivendo no vazio.

Morava numa calma rua sem saída, uma subida de chão batido onde havia uma série de apartamentos térreos geminados construídos de blocos de concreto aparente onde existiam somente 2 andares e poderíamos conversar pelas sacadas ou do térreo para sacada de cima.

Mais acima uma suave montanha verde continuava onde dava até para fazer trilha. Uma cidade pequena em forma alongada e limitada, atrás uma enorme serra rochosa e a frente o oceano. Dentro da cidade a Petrobrás, enorme, imponente e orgulhosa, poluindo o oceano com vazamentos de petróleo mensais e com seus engenheiros vaidosos.

Eu tinha uma gata branca chamada Tânia que ganhei do casal vizinho e amigos Bete e Sílvio que moravam um pouco mais acima. Muito queridos eles, nunca mais os vi depois que me mudei de São Sebastião.

A vizinhança já conhecia a gata e a tratava com carinho, volta e meia a encontravam deitada em seus tapetes e camas, um dia a encontraram dormindo dentro de um berço junto ao bebê parecendo dois bebês – a vizinha fez questão de me chamar para ver, nunca esqueci. A gata Tânia também adorava um colo e um carinho apesar de ser “vira-latas”.

Uma tarde de sol eu sentei-me no degrau, na soleira da porta de entrada muito triste, olhando as árvores em frente, a montanha verde, o capim, naquele fim de rua sem movimento. Minha gata andava pela rua à vontade e ela estava por ali também.

Subia uma vaca vagarosamente procurando capim quando observou a Tânia muito curiosa. A vaca foi se aproximando da gata para farejá-la e ela deitou-se igual a um cachorrinho em que se faz carinho – deviriam estar a uns 10 metros a minha frente no meio da rua.

A Tânia depois levantou-se e veio sentar-se ao meu lado na soleira da porta de entrada. A vaca seguiu a gata com olhar e depois me percebeu, me observou e eu senti que ela percebeu minha tristeza, atravessou a rua e veio em direção a mim. É como se ela tivesse visto as cores de minha aura, o reluzir de minhas tristezas.

Chegou perto com toda aquela piedade e compaixão e veio me farejar para me fazer carinho, passei a mão na cabeça dela. Ela viu minha aura, detectou minha imensa tristeza e se compadeceu e chegou a cabeça em meu colo enquanto eu alisava sua cabeça e a Tânia bem a meu lado. Eram meus companheiros de consolação. O momento foi lindo e marcou meu coração e nunca mais esqueci.

Uns tempos depois aconteceu um processo de reciclagem que já escrevi – e não achei o link para postar aqui – foi algo muito intenso e marcante e me fez sair de São Sebastião.

Para terminar eu quero deixar por escrito com todas as letras estes amigos que foram tão importantes para mim naquela época da vida: a família “J”, sim, todos com J: os irmãos Jaime, Jairo, Juarez, Juscelino, Jussara e a mãe que não me recordo o nome. O companheiro Carlinhos argentino que apresentei a amiga Luci, que se amigaram e tiveram uma vida e uma filha felizes juntos. Bete e Sílvio, o casal que foi dono da Floricultura “Sempre viva flores”, que me deram a gata Tânia, que brigavam muito, mas não se desgrudavam kkk. A Lilian, da loja de malhas na mesma rua em que eu morava e desencarnou com câncer, alguns anos após eu ter me mudado e só fiquei sabendo depois. O Norton, o Engenheiro Civil, que me deu força, cujo apartamento era exatamente acima do meu e que também desencarnou. O Noel e a Sérgia, irmãos e meus amigos também. Havia outros amigos menos marcantes e não consigo lembrar-me agora dos nomes.

Tenho umas passagens engraçadas também em São Sebastião, mas fica para outro texto mais irreverente – já morei em cada lugar!

Deixo meu abraço,

Dalton Campos Roque – 21/05/2014

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com